quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O RESGATE DO MINEIRO - CRÔNICA POLÍTICA

O resgate do mineiro
Ruth de Aquino
Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Se sou mineiro? bem, é conforme, dona. Sou de Belzonte, uai. Que diabo é ser mineiro, afinal? É fumar cigarro de palha? Ser mineiro é esperar pela cor da fumaça. É dormir no chão para não cair da cama. É plantar verde para colher maduro. É não meter a mão em cumbuca. Não dar passo maior que as pernas. Não amarrar cachorro com linguiça. Porque mineiro não prega prego sem estopa. Mineiro não perde trem. Mas compra bonde. Compra. E vende para paulista.

Gênio, o cronista Fernando Sabino. Tomo emprestado seu estilo popular e sagaz para descrever o senador eleito Aécio Neves, a maior arma do tucano José Serra neste segundo turno. Resgatado das profundezas das Minas Gerais, Aécio não deixa sequer transparecer o luto pela perda do pai, que coincidiu com o dia da vitória no primeiro turno. Suado, cheio de energia, Aécio enterrou no buraco qualquer eventual ressentimento com o PSDB. Os tucanos ignoraram sua vontade de disputar com Dilma Rousseff a Presidência do Brasil, no auge de seus 50 anos de idade.
Sem prévias, sem apoio do partido, muito menos de Serra, Aécio se enfurnou nas Minas Gerais para mostrar força e resistência. Antes, como ninguém é de ferro, tirou férias com a namorada na Itália. Agora, meses depois do confinamento regional, emergiu da cabine como o maior dos mineiros, o líder nacional da oposição, a popularidade mais uma vez testada nas urnas, no voto secreto. Seu carisma alçou para a tona, além de si próprio, o governador Anastasia – antes dado por desconhecido e derrotado – e o combalido ex-presidente Itamar Franco, que saiu do silêncio e voltou a tagarelar. Aécio queria ressurgir como o maior líder da oposição no Brasil. Conseguiu. Agora, virou cabo de guerra de Serra. Quer de novo virar o jogo em Minas, onde Dilma venceu no Estado – e Marina, na capital. Os mineiros em terra firme não perdoaram Serra no primeiro turno.

Em maio deste ano, em entrevista exclusiva a ÉPOCA em sua casa, Aécio botou o ponto final na discussão de que poderia ser vice e falou. “Meu lugar é aqui, em Minas...” Poderia, no ano passado, ter trocado o PSDB pelo PMDB para tentar ser o candidato de Lula. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, fez força para isso. Mas o oportunismo parecia a ele um caminho minado até a superfície. O presidente Lula, que bebe a cachaça Matusalém produzida pela família de Aécio, deu graças quando viu que ele não disputaria a Presidência.

Resgatado das profundezas das Minas Gerais, Aécio se tornou a maior arma de Serra no segundo turno
Para Lula, o melhor adversário de Dilma era Serra mesmo. Zero a zero em carisma, simpatia e afinidade com a massa. O que fez então Aécio? Não deu passo maior que a perna. Agora, o mineiro acelera o bonde para os paulistas em direção à “Serrasia”. Aécio ajudou a resgatar das sombras, neste segundo turno, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para o palanque nacional. “Tive conversas pessoais com ele e Serra. E Serra compreendeu que precisávamos assumir os méritos do passado”, me disse Aécio ao telefone (leia sua entrevista) . Animado, FHC desafiou Lula, o descobridor do Brasil, para um “cara a cara” após a eleição.

Na última quinta-feira, Aécio reuniu 450 prefeitos, vice-prefeitos e líderes municipais em torno de Serra num megaevento em dois auditórios. Voltou a proclamar independência ou morte, ao dizer que Minas “não se curva a intervenções”. Disse não perdoar Lula por ter se metido na disputa do governo local. E introduziu o passionalismo na campanha de seu morno companheiro de legenda. Fez Serra se comprometer publicamente com obras e recursos para Minas. A ofensiva bateu forte no PT, e Dilma acionou sua principal arma, Lula, para um comício gigante em Belo Horizonte. Os petistas mineiros tentam convencer o povo de que Dilma é “Minas na Presidência”. Será que os eleitores engolem essa? “Não”, disse Aécio. “Não basta ter nascido em Minas para ser mineira. Precisa compartilhar nossos valores.”

É como descreve Fernando Sabino. Mineiro não conversa: confabula. Não combina: conspira. Não se vinga: espera. No mais, é confiar desconfiando. Dois é bom, três é comício. Devagar que eu tenho pressa.
                         Afinal, quatro anos passam rápido demais.
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Transcrito integralmente da revista "Época", nº 648, de 18-10-2010 - Rio de Janeiro - RJ

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