quarta-feira, 13 de julho de 2011

GALERIA DE MULHERES-Chico Miguel

GALERIA DE MULHERES

      

Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro 



A PRIMEIRA
(Como se fosse a segunda)

                 
              Não sei se ela me veio por primeiro                
Afeto de menina que se quer.
Está tão longe o tempo e seu mister...
O pensamento é um grande viajeiro.

Sei que era linda e tinha gosto e cheiro
Diferentes das outras. Nem sequer
Nos beijamos. Porém de longe o ser
 Encontra o outro ser quando é inteiro

Em juventude, em luz, em força e mais,
Naquela idade em que se não tem paz
E quando a tem não tem impunemente.

Se foi amor,  não sei. Sexo não foi.
Foi diferente. Ai como a vida dói
Por amor quando vem tão inocente.

A  SEGUNDA

     (Como se fosse a primeira)

                                        
Antes, recordo-me a subir o morro,
Pegado pela mão de uma menina.
O silêncio nos vinha por socorro:
Mesmo assim se corava Francelina.

Subíamos o céu da nossa infância,
Tudo era leve como o vento leve.
Em nossos corações, desejo e ânsia
Do viver tão gostoso por tão breve.

Descer do céu não lembro como fora,
Descemos juntos para a vida. E embora
Tenha sido de tempo o meu sorrir,

Bem que inda choro o ontem que é agora.
Tão ledo como foi, quem joga fora!
O que existiu há sempre de existir.
    
A TERCEIRA

A terceira era muito impertinente:
Com tanto abraço e beijo, me sorria,
E,  no salão de danças,  parecia
Um furacão veloz  levando a gente.

Vi-a nua, num belo dia quente,
A mão pelo meu corpo... Onde a passava?
E a minha parte mais sensível, brava,
Subia à luz, em hora inconseqüente.

Ela noivara com um rapaz decente,
Que morava por perto e era inocente
Daquele fogaréu, do dia à noite.

Chorei bastante no casório seu...
Dando fim ao que nunca aconteceu,
Só me restando a perda como açoite.

A QUARTA
        
Paixão violenta, eis tudo o que me trouxe
E me entregou. Eu,  podre de inocente.
Mulher sem dó, sem condição, somente
Disposta a dar-me o fosso que mais fosse.

Diziam, meu rapaz, que rapariga!
Não a solte no mundo sem  barreiras...
Porém perdemos nossas estribeiras,
Era um ligar que nunca tem desliga.

Deu-se, assim, o mais triste caso feio,
Pois ela era do mundo, e adolescente...
E eu, qual dono, dormira no seu seio.

Ah, mulher que adorava o despudor!
De coração vazio, incandescente,
Caí nas malhas desse estranho amor.

A  QUINTA

Quanta vez fiquei louco por mulher!
Nem me lembro, são tantas e são tantas,
Estas bonitas, boas, e umas santas,
Mas eram outras más no seu mister.

Desta eu me esqueço o nome...Em parafuso
A mente entrava, os  pêlos enrolados,
Se os quisesse pôr soltos, para os lados
Não poderia –  o pente era um abuso.

Uma só vez  com ela então falei.
Quase caí  ferido de uma dor,
E soube não fez conta se chorei.

Dei-lhe uma rosa... E a mão tremia tanto
Que pelo próprio espanto dessa flor
O amor morreu crucificado e santo.

A  SEXTA

Foste um dia, na minha expectativa,
Aquela que esperei sem perceber
E quando eu quis melhor te compreender,
Transformaste de flor em carne viva.

Viva! – eu falei – Teu riso me fez crer
Que gostaras dos versos e das rimas,
Dos abraços, dos beijos, das vindimas...
Vida,  amor, alegria... Que  fazer?

Muitas vezes voltaste a me abraçar,
Cada dia eras tudo a me encantar,
Cada noite teu corpo era mais charme.

Amor revolto... Teu sonhar tão quente
Coroou-me por orgulho doidamente!
Depois se fez de louca pra deixar-me.

A  SÉTIMA

Teu retrato, em instantes, me devora!
E sempre que me encontro a recordar
Das luzes que baixavam teu olhar,
É impossível refazer-me agora.

Mas tu falavas tanto, sem parar,
E eu era todo ouvidos qualquer hora.
Mas, por castigo, longa era a demora
Do teu crescer e de eu poder falar.

Certa vez, junto a ti, num estupor
Quis cair-me por terra... E eu me caía
Para falar do que eu sentia tanto...

Ninguém mais lembra do meu mudo amor,
Na despedida apenas se sorria
Como se as línguas fossem nosso espanto.

A OITAVA

Foi  minha amiga, ou parecia sê-lo
Nas palavras, nos gestos, no  carinho
Contidos e  medrosos... Junto ao pêlo
Dos braços, suas mãos eram de arminho.

Muito mais do que amiga, do que bela,
Era tão  terna e doce a linda voz,
E, natural, como água desce à foz,
Tão clara, e matinal  qual é a estrela.

Ela era tudo para mim de então:
Fazer consertos e pregar botão,
Na calça e na camisa,  me fazia.

Por demais me agradava na cidade,
Beijos e abraços, tudo era verdade...
Quando tudo acabou, quase eu morria.
     
A NONA
     
Cheirosa! Só me lembra o bogari
Quando desponta em sua claridade;
Mais que o perfume, a sua ansiedade
Para beijar o mundo, eu convivi.

No galho onde cantava um bem-te-vi,
Pude pensar que eu era um beija-flor,
E como  poeta, ali foi que eu nasci
E dentro em mim um poderoso amor.

Contra a terra e os céus, ouvi rompantes,
Ao vivo, e tristes gritos lancinantes,
Mas numa flor gravei-lhe a imagem linda.

A voz era tão doce... E me adoçando,
Eu deitava em seu colo suspirando...
Ah, quem me dera fosse minha ainda!

A DÉCIMA

Do percurso dos anos, aturdido,
Encontrei-te, o’ desconto dos pecados!
Numa escola de amores e traslados,
Onde fui por teus olhos iludido.

Ferido o coração, ferida a calma,
Quase caio num poço de incerteza.
Tua maldade, cingida de beleza,
Esvaziou-me a paixão lá dentro d’alma.

Mas me pergunto ainda por que olhaste,
Com tanta intensidade e tanto apuro,
Para este vão sujeito, fora d’haste?

Última dama das conquistas vãs...
Depois de ti, mulher nenhuma, eu juro,
Será culpada pelas minhas cãs.


**********
     (Extraídas no livro  “O Coração do Instante” )
                         Inédito

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