sexta-feira, 2 de setembro de 2011

CHICO MIGUEL - CRÔNICAS

 

CONVERSAS SILENCIOSAS

 


Maria Helena Ventura*
Portual, Cascais, agosto /2011





O silêncio, quando nele se consegue viajar, é um campo povoado de ordeiras vozes, imagens coloridas, polissémico sentido. Assim como se fosse o espaço significante para retomar fôlego entre aventuras verbais ou encadeamentos de palavras.

Que o diga o cronista, poeta, crítico Francisco Miguel de Moura, que gosta de comunicar com os outros captando a musicalidade desses espaços onde a vida freme, tal uma poça de água cristalina na maré baixa. Basta olhar com atenção.

Chico Miguel produz a sua obra de múltiplas expressões ou discursos num silêncio recatado, sem a interrupção do ruído poluente de conversas ocas. Daí que cada peça das suas dezenas de títulos traga a marca da experiência e da ponderação.

A GRAÇA DE CADA DIA, livro de crónicas de 2009, é uma tapeçaria de memórias e reflexões envolvidas por fios de um humor às vezes corrosivo (O Poço dos Mortos). De muita oportunidade, também, no reconhecimento das coisas aparentemente comuns e no entanto tão importantes na vida como a simpatia (Ensaio Sobre o Sorriso) ou o perdão (A Culpa e o Perdão). Cada texto um saboroso naco de prosa em língua portuguesa.

O registo é biográfico e autobiográfico, enriquecido pelas lições retiradas de sucessos e insucessos, com uma percentagem significativa de resíduos das experiências alheias. Com essa amálgama, essa pasta flexível, processa Chico Miguel os seus relatos do quotidiano ou tece novos enredos. Às vezes com recurso à Ciência, à História, ao colorido da Mitologia (Pã e Sua Flauta de Sete Tubos) de todos retirando mensagens actuais (Anfião – Fábula de Ontem e de Hoje).

Há muito de O MENINO QUASE PERDIDO que acabei por conhecer primeiro, aqui um menino feito homem a moldar ao seu jeito as experiências dos outros, a colocar nos outros, às vezes inventados, a sua própria experiência iniciática. Há o respeito pelo saber popular, pelas minorias, pelos afectos de família e dos amigos. Afinal o afecto é cego, não distingue das outras as ligações de sangue quando é igual a intensidade do querer.

Aparentemente não há um fio condutor entre os factos de cada peça, mas existe um nexo na fluência do pensamento: todos os temas se interligam. Assim A GRAÇA DE CADA DIA converte-se num apetecível instrumento de análise de problemas reais pelo acto da leitura.

As preocupações com o retrocesso disfarçado de progresso (Imagens de Um Tempo Verde) com a ignorância generalizada (A Sabedoria Popular) com a sexualidade de homens e mulheres (Erotismo) com a importância da leitura e da escrita (Falar ou Escrever) são alguns dos pontos altos de um conjunto de crónicas que marcam um percurso, percursos, aprendizagens de vida em sociedade.


A propósito do volume de memórias ESPELHO DE PRÍNCIPE de Alberto da Costa e Silva, escreve Francisco Miguel de Moura na página 117 (Espelho do Homem) que é “um livro para ser lido muitas vezes”. O mesmo me apetece afirmar sobre o seu livro de crónicas, A GRAÇA DE CADA DIA. É preciso reler alguns excertos, parar de vez em quando para captar o borbulhar do pensamento nas frases despojadas do seu discurso sóbrio. Em todas há informação, quase o DNA do homem enquanto ser social e do escritor com a responsabilidade de questionar a vida com recursos formais e estilísticos.

Recomendo vivamente a leitura desta Antologia e cumprimento o autor pela coragem de produzir obra literária como se respirasse.
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*Maria Helena Ventura - Cascais, Agosto de 2011. Escritora portuguesa natural de Coimbra e residente no Concelho de Cascais.  Membro da Associação Portuguesa de Escritores desde 1983, Sociedade de Geografia de Lisboa e IWA-International Writers and Artists Association 


http://franciscomigueldemoura.blogspot.com
cirandinhapiaui.blogspot.com 
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