sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

DOIS MOMENTOS E UMA HISTORINHA DE DOR

Francisco Miguel de Moura*

      Era uma manhã de sol, se me lembro. Não posso dizer que fosse bonita como costumam ser as manhãs sem mormaço.
       Naquele momento, eu sentia dor, muita dor, cólica intestinal como nas cólicas de prisão de ventre.
       Quem não sentiu uma dor grande? Quem não sabe a fadiga, a impaciência, o mal estar que provoca em todo o corpo, inclusive na cabeça? A gente chega a nem pensa direito.
      Mas eu não tinha perdido a cabeça não. Entrei numa farmácia, só que fica do outro lado da avenida onde moro, e o trânsito já começava a ficar intenso. Pisei firme, com cuidado para não ser colhido por um automóvel. E ainda por cima (ou melhor, por baixo) andava de chinelos.
      A dor ensina a gemer, é o ditado do povo. Mas ensina também as pessoas a procurarem o remédio certo, no lugar certo.
      Ao entrar na farmácia, àquela hora, já com a cara de poucos amigos, a atendente não titubeou, foi logo tomando a vez de um “marmanjo” que ia deixando tudo para me despachar. E perdeu para ela. Grácias.
      Socorri-me, falando e ouvindo-a falar e sorrir. A moça era linda de fazer qualquer homem pecar. Graúda de cara, um rosto que me deu água na boca, especialmente pelos lábios cheios e adornados de batom – uma cor que parecia brilhar na manhã e refletir em meus olhos.
        Fixei-a. “Lábios feitos para o beijo”, só imaginei.
       Ela me atendeu com tanta presteza que fiquei boquiaberto, pois não é comum ser-se atendido tão prontamente, nas primeiras horas da manhã, quando as pessoas ainda estão meio sonolentas.
        O sorriso dela foi largo e decente, demorado também.
        Quase perguntava o seu nome, antes mesmo que ela me tomasse a receita médica da mão para ir à busca do que prescrevia. Era um produto comum, rapidamente encontrou.
       Na volta, me veio à cabeça perguntar-lhe se trabalhava sempre naquele horário. A vergonha me tomou.
       Será que ela tem facebook e quer ser minha amiga? Ah! Se estou com meu celular! Como iria perguntar em momento tão sem propósito?
       Saí para o caixa, deixando atrás de mim, no balcão, a me olhar como se eu fora conhecido dela. Não dali. Pois não me pareceu que a via pela primeira vez, mas de outras partes: consultórios, repartições, universidades, sei lá.
         Nesse ínterim, me tomei por mim e comecei a perguntar:
         - Cadê a dor?
        Tinha sumido. Chegado a casa, nem foi necessário medicar-me logo, as coisas aconteceram como tinham que acontecer. Fiquei aliviado.
         Só uma coisa me pesa: Nunca mais a vi, nem lá nem noutra parte.
       Se soubesse o nome... Se tivesse o telefone... Se lembrasse de qualquer coisa de antes daquele “encontro”!...
        Nunca mais nos veremos nem apreciarei a beleza dos seus lábios, seu rosto, seu sorriso. Sorriso que curou a minha dor de barriga. Não sabia que sorriso de mulher fosse remédio. E foi.
         É uma lembrança das melhores que guardo na vida.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, PI, terra que muito ama.

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