Francisco Miguel de Moura*
Há alguns anos, um dirigente que se julgava
um Semideus, pois representante da mais poderosa nação da Terra – se fosse
ontem poderíamos dizer que se tratava de Roma
– não contente como a maioria dos
reis de apenas dirigir seu povo, quis ser um sábio também. E, quem sabe, Deus.
E anotou em seus papéis e mandou escrever nos livros que se deu como autor e
nas home pages que mandava seus
auxiliares editar na INTERNET, e conscientemente dizia que descobrira a sede da
inteligência humana; a sede das sensações (tato) ; a sede do gosto; a sede da
visão; a sede da audição; a sede do olfato. Faltava quem lhe descobrisse o
órgão dos sentimentos, o órgão da intuição, o órgão da vontade, pois ele, que já era escritor, agora queria
tornar-se poeta.
Convocou os sábios, cientistas, professores,
mestres, políticos, jornalistas, empresários, e nenhum soube dizer-lhe. Teve
que, finalmente, apelar para os poetas. Constatou, desalentado, que não havia
nenhum no seu reino. É que os antigos haviam morrido de fome. Já os novos, seduzidos pelo dinheiro, pelas
ações da bolsa, por tudo que o mundo capitalista aprova, haviam desistido de
poetar, ou mudado de país. O resultado foi que aquele dirigente poderoso teve
de importar um poeta de uma de suas semi-colônias. E a primeira pergunta que dirigiu ao bardo do
país subdesenvolvido foi a seguinte:
- Que devo fazer para ser poeta?
- Sentir e ter coragem de expressar
os sentimentos, em sua própria língua, se não tiver capacidade de fundar outra;
deixar que a imaginação trabalhe em lugar do que é simplesmente racional e
prático; afundar-se no que sente, como os músicos, em seus instrumentos – disse
o poeta.
- Mas eu não sei onde fica, no corpo humano,
a sede dos sentimentos, meu coração é um vácuo.
- É no seu corpo inteiro, sua alma é sua
vontade. A inspiração não é piração, mas conjuga todos os sentidos, mais a fé,
a esperança e o amor (caridade), acompanhados de uma insatisfação, uma angústia
de se saber finito, tão finito quanto o menor dos seres da terra, quanto o
menor grão de areia, e dentro dessa finitude procurar a própria salvação e a
salvação da humanidade – eis que lhe responde o poeta Tecermundo.
- Acha, então, que posso ser poeta?
- Não, pelo menos agora. Precisaria renascer
e para renascer é preciso renunciar. “De que vale teres o mundo inteiro, se tua
alma anda perdida?”
Claro que o Semideus desistiu de ser poeta,
mas compensatoriamente tornou-se amante de todas as empregadinhas de sua casa,
da rua e do palácio. Amante sem amar, amante sem dizer, amante de “mentirinha”
como é todo amor no seu reino entre moedas e mercadorias. Quanto ao poetinha, dizem que desapareceu,
perdendo a oportunidade de tornar-se célebre por um dia, aparecendo na televisão e na INTERNET,
por ter transformado o Semi em Deus. Renunciou
aos bens e à importância momentânea para ficar com a sua consciência de homem e
poeta. Sem as luzes do poder, poetando independente de quem estivesse de cima
na bolsa e nos oligopólios. Na posse de todos os seus sentimentos e tentando
distribuí-los entre seus irmãos. Ninguém sabe é se conseguiu ficar vivo.
Se esta fábula se parece com alguma situação
dos nossos dias é pura coincidência. Ela foi pensada e sentida para comemorar o
“Dia da Poesia”, 14 de Março (dia do nascimento de Castro Alves, no interior da
Bahia, em 1847), e assim homenagear os poetas e a musa Érato
– entidade consagrada pelos gregos – que presidia à poesia lírica e à
anacreôntica, aquela mais apaixonada, quando o poeta recebe as luzes do céu e o
fogo do inferno, e com isto é capaz de derreter a terra para realizar sua
vontade, sua alma. Érato é filha de
Júpiter e de Mnemósine (a memória), tendo por irmã outras seis musas que
patrocinam as artes. Portanto, uma
grande família.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador brasileiro, nasceu em Francisco Santos (PI), aos 16 de junho de 1933 (quando ainda era povoado Jenipapeiro-Picos). Já publicou mais de 40 livros e anda em busca de um editor para publicar os que lhe faltam: cerca de 10 (dez) entre poemas, contos, crônicas, crítica literária e romance. E-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com
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