OPUS
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Humberto*
Num dia encoberto pelo tempo das pindaíbas meu tio David me
disse assim: - menino, todas as coisas já foram pensadas e ditas em jeitos e
línguas diferentes em lugares diferentes... Ele disse e ficou olhando pra lua
como se meio perdido e eu fiquei pensando que ele birutava. Mas ele voltou a
falar e disse: quando se diz que há um tempo para cada junta na corrente da
vida, isto já foi dito na Bíblia, numa parte chamada Eclesiastes. Uns dizem que
foi escrito pelo décimo terceiro rei de Judá, o Ezequias; outros, que foi o
terceiro rei de Israel, o Salomão, filho, sabe de quem? De David! Tu achas que
eu fico com quem? Eu respondi que com David, ele morreu de rir e continuou
falando: escreveu lá que há tempo para
cada coisa, cada propósito: pra nascer, pra morrer, tempo de plantar, tempo de
colher, de matar, de sarar, de chorar, de rir, de gemer, de bailar... de tudo,
até tempo de guerra e tempo de paz.
Fiquei matutando sobre esta memória no dia 29 de maio de
2021 já pela madrugada, e fui catar os momentos-perfeitos da vida que já tinha
um calendário de 76 aniversários, e selecionei os principais: o do nascer, o da
extirpação da tumoração tuberculosa no sétimo aniversário (o primeiro a ser
festejado (o que aconteceu no 28 de maio, porque no 29 seria internado para a
cirurgia do tumor na cabeça grande que me deu o vulgo de cabeção e me mergulhou
no coma de uma quinzena), o do vestibular, o da graduação, do casamento, o de
cada filho nascido, dos livros publicados, de entrada pra APL... Aí eu me
perguntei se deveria ficar triste, afinal por aí já me chamam de velho - pelas
costas... Eu não fico nada contente quando entro numa fila como naquela de
votação, e me chamam para entrar em primeiro lugar, passando à frente dos que
chegaram antes. Numa eleição dessas teimei e não fui. Fiquei apreciando as
confusões ali apoiado na tranquilidade.
No dia 29 de maio de 2021 tomei o vinho da moderação e da
sobriedade conforme as recomendações do patriarca Noé após sua notável
carraspana no recomeço do mundo, e segui em frente a driblar com a Fé em Deus
mais uma pandemia que está matando os homens pacatos e estupidificando em
selvageria sinistra os forjadores de leis e os zelotes seus guardiães, que
perderam o fio da racionalidade e o respeito a seus patrões – cada eleitor que
lhes paga as desbragas prebendas em forma de salários e mordomias. No dia
seguinte as queridas vestais da APL vieram me dizer que o sítio eletrônico da
casa estava grávido das mensagens de boas alvíssaras da seleta plêiade de
artífices da prosa e do verso esculpidos nas páginas virtuais de whatsapps, uma
coisa universal que não se escreve em português, eu não sei falar nem garatujar
inglês. Aflito, paralisado, deixei passar os dias a roer unhas e, como quem
treina dó-ré-mi-fá-sol-lá-si no teclado do piano, estou agradecendo e
retribuindo de alma para alma as mensagens amigas de Fides, Cremísia, Vera,
Elmar, Felipe, Chico, Cid, Reginaldo, Valdeci, Nildomar. Wilson Brandão, Oton,
Luís Ayrton, Moisés, Zózimo, Dagoberto, Fonseca, Dilson, Plínio, Jônathas e
Nelson e dos demais que, a mim adidos formamos uma silepse resistente e ainda
não nos desasnamos convenientemente, na técnica e na deliberação, para os links
da navegação on-line deste “admirável mundo novo”.
Cor cordis sursum,
______________
*Humberto Guimarães,
médico, escritor, cronista, acadêmico da Academia Piauiense de Letras.
Trata-se de uma crônica em seu aniversário natalício, oferecida aos acadêmicos,
inclusive às funcionárias Cremísia e Veras
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