quarta-feira, 23 de junho de 2021

 

foto: chico miguel

OPUS 76

                                          Humberto*

          Num dia encoberto pelo tempo das pindaíbas meu tio David me disse assim: - menino, todas as coisas já foram pensadas e ditas em jeitos e línguas diferentes em lugares diferentes... Ele disse e ficou olhando pra lua como se meio perdido e eu fiquei pensando que ele birutava. Mas ele voltou a falar e disse: quando se diz que há um tempo para cada junta na corrente da vida, isto já foi dito na Bíblia, numa parte chamada Eclesiastes. Uns dizem que foi escrito pelo décimo terceiro rei de Judá, o Ezequias; outros, que foi o terceiro rei de Israel, o Salomão, filho, sabe de quem? De David! Tu achas que eu fico com quem? Eu respondi que com David, ele morreu de rir e continuou falando:  escreveu lá que há tempo para cada coisa, cada propósito: pra nascer, pra morrer, tempo de plantar, tempo de colher, de matar, de sarar, de chorar, de rir, de gemer, de bailar... de tudo, até tempo de guerra e tempo de paz.

          Fiquei matutando sobre esta memória no dia 29 de maio de 2021 já pela madrugada, e fui catar os momentos-perfeitos da vida que já tinha um calendário de 76 aniversários, e selecionei os principais: o do nascer, o da extirpação da tumoração tuberculosa no sétimo aniversário (o primeiro a ser festejado (o que aconteceu no 28 de maio, porque no 29 seria internado para a cirurgia do tumor na cabeça grande que me deu o vulgo de cabeção e me mergulhou no coma de uma quinzena), o do vestibular, o da graduação, do casamento, o de cada filho nascido, dos livros publicados, de entrada pra APL... Aí eu me perguntei se deveria ficar triste, afinal por aí já me chamam de velho - pelas costas... Eu não fico nada contente quando entro numa fila como naquela de votação, e me chamam para entrar em primeiro lugar, passando à frente dos que chegaram antes. Numa eleição dessas teimei e não fui. Fiquei apreciando as confusões ali apoiado na tranquilidade.

          No dia 29 de maio de 2021 tomei o vinho da moderação e da sobriedade conforme as recomendações do patriarca Noé após sua notável carraspana no recomeço do mundo, e segui em frente a driblar com a Fé em Deus mais uma pandemia que está matando os homens pacatos e estupidificando em selvageria sinistra os forjadores de leis e os zelotes seus guardiães, que perderam o fio da racionalidade e o respeito a seus patrões – cada eleitor que lhes paga as desbragas prebendas em forma de salários e mordomias. No dia seguinte as queridas vestais da APL vieram me dizer que o sítio eletrônico da casa estava grávido das mensagens de boas alvíssaras da seleta plêiade de artífices da prosa e do verso esculpidos nas páginas virtuais de whatsapps, uma coisa universal que não se escreve em português, eu não sei falar nem garatujar inglês. Aflito, paralisado, deixei passar os dias a roer unhas e, como quem treina dó-ré-mi-fá-sol-lá-si no teclado do piano, estou agradecendo e retribuindo de alma para alma as mensagens amigas de Fides, Cremísia, Vera, Elmar, Felipe, Chico, Cid, Reginaldo, Valdeci, Nildomar. Wilson Brandão, Oton, Luís Ayrton, Moisés, Zózimo, Dagoberto, Fonseca, Dilson, Plínio, Jônathas e Nelson e dos demais que, a mim adidos formamos uma silepse resistente e ainda não nos desasnamos convenientemente, na técnica e na deliberação, para os links da navegação on-line deste “admirável mundo novo”.

                                                     Cor cordis sursum,

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*Humberto Guimarães, médico, escritor, cronista, acadêmico da Academia Piauiense de Letras. Trata-se de uma crônica em seu aniversário natalício, oferecida aos acadêmicos, inclusive às funcionárias Cremísia e Veras

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