terça-feira, 31 de agosto de 2021

 


A BELA E A FERA

 

 

                                 Francisco Miguel de Moura*

 

 

Minha santa d’outrora era de prata

loura, de olhos azuis, dos meus anseios,

róseos os lábios, túmidos os seios,

boca cheirando a lua e serenata.

 

E em corpo e alma, a bela, a insensata,

de olho no sexo, em danças e rodeios,

iluminava os céus com seus meneios,

festa no coração, riso em cascata.

 

Hoje, minha alegria se destrata,

o calendário se transforma em fel,

não quero mais saber daquela ingrata.

 

Meu futuro é fumaça e tem venenos...

Sem mais tempo, esvazio o meu tonel,

que um dia a mais é sempre um dia a menos.

 

 

A CADA DIA...

 

 

A cada dia a gente é um desafio

à grande noite e vai sonhando o mundo

sem tempo... A gente vai chegando ao fundo

da gente mesmo! E o cheio está vazio.

 

A cada dia a esfinge fere o fio

do medo, da avareza... E, de segundo

a segundo, o buraco é mais profundo

das coisas que passaram como um rio.

 

A cada dia a gente se amargura

com o futuro mais perto. Uma loucura!

E então desabam as tristezas de antes.

 

E a cada dia a gente é tão pequeno,

que o próprio doce é mais do que veneno

pois já morreram todos os amantes.

 

 

A INTEIRA VOZ

 

 

Ser bela e jovem pela vida em fora,

desejo ardente e tanto acalentaste,

não percebendo as horas do contraste.

como o florir da pedra que não flora.

 

Mas sei quem foste, sei quem és. Demora!

Verás, num instante, a foto que ofertaste,

Descorando, qual flor que caiu d’haste:

És teu pai de ontem, tua mãe d’agora...

 

Contra as marcas das nossas aventuras

verás, no que inda sou, tuas loucuras,

teu futuro verás no que hei de ser.

 

Tudo por si se acaba, não tem jeito,

mas tua voz calada no meu peito

há de durar comigo até morrer.

 

 

ALADO

 

 

Homem do instante  (do amanhã), sangrado

nas decisões e nos contornos,  mais

desesperando que antes do passado,

no vão lutar (sem fé, procura a paz)

 

qual se não requeresse o de direito,

mas o de tenso e turvo amor parado,

vai na ordem inserido, só desfeito

no que, pelo fastio, põe-se alado.

 

No dia aterrador, desconhecido,

dura séculos, faz-se em desamor

ou em piedade: Por pedir, perdido

 

nos olhos e nos lábios, sem a cor

do gesto a rebentar-se. E, ressequido,

o corpo a desejar o que não for...

 

 

ALMA TATUADA

 

Alma estranheza e voz do entardecer,

sem estrelas no céu, nem luz, nem gosto!

Meu olhar cinza - tanto é meu desgosto

que o sol se me apagou antes de ser.

 

Essa é minha alma, tenho-a sem saber

há quantas eras!  Que princípio deve

voar assim e parecer tão leve,

como para cair e ensurdecer?

 

Alegria?  Na vida, a desgraçada

nunca teve nem viu em rosto alheio,

por isto seu futuro é quase nada.

 

Alma inquieta que se quer parada,

finge a vida da carne mas, no seio,

– alma tão alma em dores trespassada.

__________

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, membro da Academia de Letras da Região de Picos, da Academia Piauiense de Letras, da União Brasileira de Escritores e da Assosciação Internacional de Escritores e Artistas.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...