quarta-feira, 23 de julho de 2008

CONTO BASEADO EM ANEDOTA POPULAR

 
Francisco Miguel de Moura*


Zé Prevenildo e Zuca Preguiçoso eram amigos de infância, e apesar das diferenças de idade e de temperamento, se davam muito bem. Não havia segredos entre eles, inclusive sobre as pobres e poucas mulheres que enganavam em suas pescarias.
Os dois caipiras se encontravam todo santo dia no ponto do ônibus e iam conversando até que chegassem no ponto final. Para passar o tempo. E depois a conversa continuava, isto se não houvesse algum rabo-de-saia com quem tentassem entabular um pé-de-conversa... Ou pelo menos, como diziam, limpar a vista, pois o homem não vê graça nenhuma noutro homem. Só a mulher merece desejos e, portanto, carinho, respeito, consideração. E se trastejar...
Naquele dia não se contava muito “bicho bom” no interior da condução. Por isto fedia. Atchim!... Então resolveram aprazar uma nova pescaria para lugar julgado descoberto recente, logo desconhecido pelos que ali estavam, ninguém, mesmo que fosse algum outro pescador. Pescaria de arromba, a mais famosa da Terra dos Condenados pelo volume de peixes trazido ao fim da tarde, ou talvez já pelo cair da noite. As esposas iriam ficar felizes, salvo se transpirasse alguma enrolada com caboclas da beira-do-rio, aquelas cunhas sem eira nem beira.
Entre um balanço e outro da condução, segura aqui, cai acolá, como é normal, vinham as indagações. Para tanto viajavam muito próximos.
Previnildo é quem fala primeiro:
- Então, compadre, ‘tá animado mesmo?
- Eu ‘tou, homem – responde o Zuquinha Preguiçoso.
Foi só o tempo de chegarem em casa cada um foi logo se preparando para a pesca, debaixo do falatório da contraparte. Como se fossem sair logo. Parece que adoravam a apreensão das consortes. E o falatório.
Dia seguinte, bem cedinho mesmo, antes que o restante do pessoal se levantasse, vão ao encontro no lugar combinado. Lá, o Prevenildo nota seu compadre com dois embornais cheios de linhas, anzóis e outros apetrechos de pesca. Aquilo lhe causou satisfação pela esperteza do amigo, agora, mas também preocupou porque a mudança tinha sido repentina demais. Das outras vezes ele esquecia quase tudo, na ida, na volta, ou em ambas. Era preciso que ele cobrasse. Às vezes voltava para apanhar. Companheiro legal, muito bom, mas trabalhoso, meu Deus.
- O compadre leva dois embornais por quê? Não bastava um? Que é que houve? Agora o Prevenildo é você, home’?
- Vou levando a pingazinha, compadre, que ninguém é de ferro para passar o dia no sol e não sentir sede.
- Pinga, compadre! Nós acertamos ontem que ninguém ia beber mais, não foi isto? – observa Zé Prevenildo.
- Foi.
Zuquinha, com preguiça até de pensar, ajuntou:
- Pode ser que apareça um bicho - jacaré, cobra ou outro qualquer - e a gente estando bom é sempre melhor para se defender, compadre. A pinga é só pra gente olhar e sentir saudade.
Continuou suas justificativas, arremata:
- E se uma cobra pica a gente? Aí, sem nem um remedinho pra desinfetar a mordida da bicha e não sentir dor é o diabo!... Não é mesmo?
- É, compadre.
- Mas na outra sacola, o que é que o compadre está levando mesmo? Diga. Hem? hem?
- É a cobra, compadre. Pode ser que não tenha por lá. E a gente já vai prevenido, não é mesmo?
- Você não já ‘tá satisfeito com a que possui em casa?
O outro gaguejou, gaguejou, mas não pode dizer nada.
Na verdade, não havia cobra nenhuma no embornal e não houve mordida nem acidente naquela função, mas não faltou cachaça. Passaram um dia e uma noite. O difícil foi quando chegaram em casa. Cada um contava sua história à cara-metade, diferente ou discordante. Logo foi descoberto, mulher não deixa por menos, vai ao rastro e na expressão do rosto. E eles ficaram no ora-e-veja, jejuando sexo até ficarem bom da cachaça, o que durou três dias e três noites.
Chegou a hora de irem ao mercado, juntos, onde compraram muito peixe. Provaram que se haviam regenerado e pescado de verdade, daquela vez, e em pouco tempo.
Zuca Preguiçoso nunca mais foi tratado assim, desrespeitosamente, depois das duas pescarias ocorridas e lembradas. Tomou o nome de Prevenildo. E todos da redondeza achavam que Zé (ou Zezé) e Zuca eram mesmo irmãos. Parecidos até.
Mas, parecidos mesmo, não eram. Salvo nas trapalhadas de pescarias e nas mentiras que contavam à mulher, a Deus e ao mundo.
A história desses dois ficou tão popular na Terra dos Condenados, nos idos de 60, que quando passavam dois caçadores (ou pescadores), a turma da esquina logo mexia, cochichando: “Hem? Parecem irmãos.”
- Cadê a cobra, meninos? Quem leva?
E caíam na gargalhada.
Pois ninguém admitia pescador que não possuísse uma cobra, mesmo que de brinquedo.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor, contista e poeta, mora em Teresina, Piauí.
E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br

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