quarta-feira, 13 de maio de 2009

ALÉM DO VÃO DA JANELA


Francisco Miguel de Moura*

Lá pelos anos 1970 aconteceu o boom da literatura brasileira. Bons autores então se revelavam. Depois o mundo virou, encheu-se audiovisuais e por último, de internete. Mas alguns autores continuaram a escrever e publicar. Tanto os que começavam ali, quanto os que iam surgindo na esteira da euforia. No último caso está FaustoValle, médico de profissão, bom poeta, mas principalmente contista, nascido em Minas, porém tendo fixado suas raízes de vida e letras em Goiás. Mora em Goiânia. Considero-o um dos melhores escritores brasileiros do gênero. Fausto Valle acaba de lançar a coletânea de contos “Além do vão da janela”, cujo título poético em si já é uma mensagem. A primeira peça, ao dar título à obra, como que é uma espécie de síntese do livro, e sendo – como realmente é – uma obra prima do gênero ficção menor, abre o apetite do leitor. E só isto já mostra a consciência do artista ao reunir 20 contos que se ligam uns aos outros, quando não pela matéria, pelo menos através do estilo do autor.

Fazer uma resenha de livro de contos não é fácil. Entretanto, observo que Fausto Valle, trabalhando os elementos fundamentais da arte (lírico, dramático, trágico) é uniforme e ao mesmo tempo pessoal, em seu estilo, dentro de um discurso de fácil intuição. E não apenas neste livro, pois o tenho acompanhado desde os seus primeiros contos. Claro que cada fase do seu sentir e o seu pensar representa a realidade do que é a vida e de como o sentimento se instala. O social é um elemento que não falta, sem cair no regional ou local expressamente. Assim é seu estilo: firme, claro, leve e ao mesmo tempo fluente. Observador conspícuo da sociedade e profundo conhecedor da alma, é aqui no “Além do vão da janela” que estas qualidades mais se acentuam. São contos breves, pequenas histórias, sutilmente sabendo a ensaio, como são realmente os contos contemporâneos – tudo para não cansar o leitor e deleitar os apaixonados da arte. Essa modernidade adota acrescentar aos fatos o filosófico e/ou o poético. Nada de imitar Machado de Assis nem Monteiro Lobato, nem ninguém. E por falar nisto, seu poder de criatividade está a mil, recriando fábulas tais como ´”O unicórnio” e “O último sátiro”. Quase todos os contos têm em comum, formalmente, um fim mais ou menos breve e surpreendente, ora com realismo, ora se afastando para uma finalização simbólica, poética ou fantástica – esta sendo a mais festejada. Os leitores hão de sentir a poesia do final de “Sob o manto da noite”, ao lado da tragédia de que o pai e o menino são sujeitos. Final enigmático, ou místico, intui-se em “Treição” e “Epifânio” – duas peças que constariam de minha seleção dentro da seleção que já é o livro.


Um conto de menos de uma página, eis a experiência realizada em “Perto do Natal”, sem que o estilo sofra conseqüências. A transcrição é um brinde aos leitores: “Um grito aflitivo golpeia a tarde. Olho na direção de onde veio o pedido de socorro, o nono andar do prédio vizinho. Outras pessoas fazem o mesmo. Uma mulher tenta segurar pelos cabelos uma jovem que, desesperada, quer saltar daquela altura. Todos olham em silêncio. A cena é rápida. A moça dependurada pelos cabelos não se debate, entregando-se ao destino que procura. Quem a segura, a que havia gritado, agora silenciosa, faz um esforço máximo tentando impedir o desfecho fatal. Um, dois, três, quatro, cinco segundos, o corpo dependurado se solta, livre. Ouve-se o baque no chão, dentro dos muros do prédio. A surpresa mantém o silêncio das pessoas que olhavam. O movimento da rua continua normal, todos fazem compras de Natal.”.


Se a boa literatura tem o poder de transformar as pessoas, não sei; mas causa enorme prazer e, com isto, saúde para o corpo e para a mente. Experimentem ler Fausto Valle.

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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora no Piauí.
E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.b
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