sexta-feira, 17 de julho de 2009

AS PROVAS DA LOUCURA


CRÔNICA


Francisco Miguel de Moura*


Uma coisa que o doido não diz é que está doido. Nem diz e nem aceita. Os outros é que são loucos, ele não.

Portanto, se alguém tem medo de ir ao psiquiatra é porque já desconfia de que possui algum distúrbio. E se, mesmo tendo consultado o especialista, silencia ou nega, também sente algo errado consigo e tem medo que os outros descubram.

Ambos são casos para estudo. Merecem atenção porque são possíveis caminhos. Talvez ainda não de loucura, mas de «orgulho» exagerado, ou de tão alta estima que não admite, por longe, tamanho labéu. Porque a loucura é um estigma. Quem adoeceu da cabeça, uma vez, nunca mais ficará perfeito.

Mas vamos às provas do doente de fato, as verdadeiras, objetivas, existenciais, no sentido que o Prof. Santana dá a esse vocábulo.

Trabalhei muito tempo no Banco do Brasil, celeiro de doentes mentais, é o que me diziam. Lá, quando o funcionário precisava de uma licença-saúde ou mesmo da aposentadoria por doença, era aquela confusão. Médico do Instituto, médico da Caixa de Previdência, que é a nossa previdência privada. Finalmente, se vinha um despacho negativo, o que equivalia dizer que o requerente era um preguiçoso ou um enrolão, não tinha doença nenhuma, aí começavam as provas internas, providenciadas pelos administradores da Agência.

Sabemos que o humor, a anedota também conduz sua verdade. É preciso desentranhá-la como o fazemos na poesia. Dois testes eram então propostos. Primeiro, rasgar dinheiro (por este os malandros e irresponsáveis passavam, fácil, fácil). Segundo, comer merda. Esse era o teste de fogo. Comeu, ia direto para o internamento psiquiátrico.

Consta no nosso anedotário que um «contínuo» passou bem no segundo teste e obteve a licença-saúde desejada, antes passando pelo internamento hospitalar. Se realmente estava louco, nunca se soube. A verdade é que ele sempre pareceu um perfeito idiota, se é que existe uma perfeita idiotia, estado que se caracteriza por atraso intelectual profundo, com deficiência de linguagem e nível mental inferiores ao crescimento corporal normal dos três anos, muitas vezes acompanhado de malformações físicas (vide «Novo Dicionário Aurélio»).

Não falarei o nome dele, pois o nome é que faz o fuxico. Como eu também sou aposentado, porém por tempo de serviço - preciso ficar de bem com todos eles.

Pensando bem, hoje eu apresentaria um terceiro teste, e esse não só de uso interno, porém que os próprios médicos não deveriam esquecer e receitá-lo, na dúvida. Seria o do choque elétrico. Um choquinho não faria mal a malandro nenhum, a preguiçoso nenhum, a qualquer doença do caráter. E se não fosse só isso, ficaria curado de sua doença mental, ou atenuado por algum tempo.

De qualquer forma, aquelas pessoas que são classificadas pelos «bons» como loucos não devem ficar tristes não. Porque é certo que «de poeta, de louco e de médico todos nós temos um pouco». E esse pouco, por pouco, pode transformar-se em muito e caracterizar o estado de loucura, e aí é que está o perigo da linha divisória, do reconhecimento. A linha divisória entre a loucura e a sanidade é muito tênue.

Prestando bem atenção, porém, o louco só é temido pelo que faz, nunca pelo que diz. Se ele desanda na conversa, serve de galhofa, é prato cheio para as conversas, pode ser um idiota somente, não incomoda. Por isto é que estou me lembrando de um radialista de Teresina que dizia assim: «Não tenho medo do doido, tenho medo é da doidice do doido.»

Ele estava certo.

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* Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, Piauí. Seu email: franciscomigueldemoura@superig.com.

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