segunda-feira, 7 de setembro de 2009

OS FANTASMAS DE MANAUS - NOS SEUS 339 ANOS)




CRÔNICA ENVIADA POR E-MAIL
Ana Zélia da Silva*


Ando a esmo buscando em cada esquina meu passado distante.

A Manaus da mi
nha infância. Igarapé dos Educandos, Igarapé da Pancada, Igarapé do Quarenta, rampa do mercado, ponte de ferro ou Ponte Benjamin Constant, elo entre Educandos e o Patronato Santa Terezinha onde estudava.

Como num passe de mágica aquilo que era belo a nós, crianças e jovens da minha época. Sumiu. O modernismo se deu ao luxo de destruir.

Voltei os olhos aos céus e pedi a Deus que me deixasse falar com os fantasmas de Manaus, eles me ajudariam a recordar tantas coisas, me ajudariam a gritar bem alto que preservar é uma coisa, destruir, outra.

Fui atendida; o primeiro fantasma se fez presente em minha mente e falou:

- Oi, moça o que desejas?

- Fantasma, busco a Manaus da minha infância cercada de igarapés, mangueiras, seringueiras, flores. A minha “Cidade Sorriso”, terra das florestas, das castanhas e dos seringais. Terra dos bares, dos Igarapés, rios Colossais.

A Manaus dos bondes que circundavam a cidade e onde a molecada, e eu fazíamos parte dela, mocegava pulando de banco em banco, nos trilhos cobertos de pedaços de vidros para o perigoso cerol. Os programas de calouros, “Gelomatic”, onde enfrentava a galera e mostrava que tinha voz e garra.

Ah! As pastorinhas, onde i
ncorporava os anjinhos, a galega, a Diana, geralmente fazia mais de um papel. E os bois, Mineirinho, Tira-Prosa, Corre-campo, Mina de Ouro, era uma festa e as brigas nos encontros. Quando se ouvia o desafio a correria era geral: “Pisei, pisei, pisei, pisei torno a pisar, pisei boi Corre Campo no arraial do Boulevard” e o cacete comia feio.

- Me diga Fantasma, onde ficou aquela cidade aconchegante, onde as crianças iam deixar as trouxas de roupa que as mães lavavam e no retorno, pulavam das pontes, antes do palácio, depois do palácio e a famosa Ponte de Ferro, esta era mais alta, tinha que descer para outro espaço e pular de lá, sem medo. Era alegria só. Não morreu ninguém da minha turma. A péia comia quando éramos descobertos.

O Fantasma sufocado com tantas perguntas, um filme de lembranças, chamou para ajudá-lo o Fantasma do tempo que assim falou:


- Quem tu buscas no passado desta cidade fria e sem memória, seus habitantes desafiam Satanás dizendo que se for para o inferno não sentirão o fogo eterno. O inferno é aqui. Enquanto isto seus governantes são frios e insensíveis. A cada ciclo novas destruições. Você está bem do juízo? Ou ficou louca de tanto calor?

Refeita do susto diante dos personagens a moça falou:

- Minhas desc
ulpas, não sou louca, pertenço à categoria mais sensível do planeta. Sou poeta e como tal tenho como missão delatar os crimes de minha época, sejam eles ambientais ou quaisquer outro, para que no futuro a história seja contada, tenho certeza de que a mais cruel foi a destruição dos igarapés. Em nome do modernismo, fizeram uns caixotes e neles prenderam os últimos fios de água dos antes igarapés. Não satisfeitos, construíram blocos de apartamentos que a cada temporal, cada chuvarada, eles começam a aterrar. Ah! Fantasma do Tempo me faça um favor, preciso falar com o Fantasma da Destruição, porque este povo não pode ficar impune diante de tanta barbárie. Choro os rios da minha cidade, hoje mortos, todos mortos. E os poucos que restam se ainda existem, perderam a cor, é a sujeira dos condomínios, das casas que os margeiam.

E o Fantasma da Destruição chegou: _ Por que me chamas moça da saudade!...

Ah! Fantasma da Destruição, obrigada por me atender. A dor no peito é tão grande que preciso lhe pedir algo, puna em nome do Universo todas estas pessoas que não respeitam minha Manaus que completa 339 anos. As derrubadas das árvores transformou isto aqui num inferno. O calor é insuportável, o povo pena nos ônibus velhos e fabricados para climas frios, todos fechados e o povo morrendo sufocado.

Houve governantes que disse serem eles climatizados. Durou uns dias e até hoje nada mais mudou.

O aterro dos igarapés para construções de blocos de apartamentos, em substituição às palafitas, é um crime ambiental dos mais grav
es, que exemplo dão eles aos governantes do futuro, se no presente agem naturalmente.

Fantasma da Destruição, que tens por missão cobrar dos que erram, destroem a natureza, tirando do futuro a esperança, quando Manaus completa 339 anos, apanha tua espada e corta a cabeça de todos estes homens que em nome do progresso, exterminam a natureza que ainda resta. Que seus corpos sejam atirados nas profundezas do inferno para que lá queimem até pagarem o último de seus pecados.

Na Cidade das Cruzes, existente em cada poste de luz o Satanás não entra, mas estes seres podem ser levados para o fundo do Rio Negro, do Amazonas e lá aprisionados até que renasça nossos igarapés, nossas florestas, nossas matas verdejantes.

Não posso dizer Parabéns Manaus, porque nada tens de natural ao homem. A cada dia te violentam mais e mais. Rogo a Deus que não te d
estruam.

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* Ana Zélia da Silva mora em Manaus, Capital do Estado do Amazonas, de onde mandou esta crônica, datada de 19 de outubro de 2008

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