quarta-feira, 25 de novembro de 2009

MIGUEL GUARANI

Francisco Miguel de Moura*





Biografia é a história de uma vida. Assim, toda biografia é um romance, dependendo do desenvolvimento que o escritor quis dar. E os romances comportam no mínimo quatro dimensões: espaço, tempo, imaginação e fatos.

Aqui e agora começa a biografia do mestre Miguel Borges de Moura, que depois, em virtude de sua atividade de violeiro, passou a ser mais conhecido como Miguel Guarani.

Miguel Guarani nasceu no Diogo, um lugarejo da fazenda Jenipapeiro, hoje município de Francisco Santos, Piauí, no dia 18 de maio de 1910. Não se sabe se foi uma festa ou não quando nasceu o segundo filho (e o primeiro varão) do casal Feliciano Borges de Moura/ Rosa Maria da Conceição, pais de Miguel. Comumente no Nordeste o é.

Como era o Diogo de então? À margem do rio, para o lado do norte subia um planalto que chamavam de “Serra” ou “Gerais” onde fazia limite com o Ceará. Atravessado pela estrada real que vinha do povoado Jenipapeiro e corria para o sul, no rumo de Picos, passando antes por Rodeador, Bocaina, Sussuapara, era a única via de comunicação com o mundo, porém apenas para pessoas e animais. Nem mesmo por carro de boi podia ser percorrida, em virtude do areal tremendo na maioria do seu percurso. O solo sáfaro, cansado de tanto sofrer queimadas, composto de areia, lajedos, cascalhos, quase nada fornecia à agricultura que não fosse um pé de mandioca, feijão, abóbora, melancia para subsistência. Somente quando Sinhô do Diogo subiu a “Serra” e chegou aos “Gerais” foi que encontrou melhores terras e a agricultura prosperou. A renda maior era tirada da vazante do rio, onde se plantava, na estação seca. Na formação da terra do Diogo havia caldeirões que durante a estação chuvosa serviam para os bichos beberem mais perto – a fonte principal era o Rio Riachão – e os meninos tomarem banho. Miguel deve ter tomado banho nessas águas frias e gostosas do começo do inverno como todos os meninos de sua época. Porém, por pouco tempo, que a sua infância foi curta: O trabalho da roça e, agora, as letras, o absorviam.

No mais, o Diogo era só moitas de mofumbo, pequiá, catingueiras, imbuzeiros (com cujos frutos a garotada fazia a festa nas primeiras águas), juremas, marmeleiros, macambira, xiquexique e arbustos sem muito valor. No inverno enverdeciam, na estação seca secavam, tinham a cor cinza. Para se ver a cor verde era necessário olhar para os juazeiros e carnaubeiras, nos longes da beira do rio. Não havia nenhuma árvore grande no quintal nem na frente da casa grande de Feliciano (Sinhô do Diogo). Havia uma “latada” coberta de folhas de oiticica, complemento comum das habitações naquele tempo.

Os filhos do casal Feliciano/Rosa foram nascendo um atrás do outro, chegaram a dez. Uma família e tanto. Sinhô do Diogo, não podendo contratar um mestre-escola para ensinar aos filhos em casa, alfabetizou o mais velho dos varões, Miguel Guarani, que depois se tornaria o professor dos irmãos e irmãs. E assim se fez o começo do que viria ser o maior e mais conhecido mestre-escola da redondeza de Picos.

Da meia idade em diante, Miguel sempre trabalhou por conta própria, particular, para sustentar a família composta de mulher – Josefa Maria de Sousa – e os seguintes filhos grandes: Francisco Miguel de Moura, Teresinha de Jesus Moura, Maria Josefa de Sousa e Helena Josefa de Sousa, lecionando ora nos povoados Santo Antônio de Lisboa e Francisco Santos, ora em outros quando era convidado. E mais comumente em casas de fazendeiros dessa região e de outras que fazem o entorno de Picos, Piauí: Aroeiras do Itaim, Itainópolis, Carnaíbas, Angico Branco; Riachão, São Julião, Alagoinhas, Fronteiras e Pio Nono; Bocaina, São Luís do Guaribas, Varjota, Sussuapara e outros. Quando morava no lugar Angico Branco (dos Macedos), apareceu-lhe, um dia, em sua residência, o poeta popular, improvisador, cantador, violeiro de nome Campo Verde. E foi uma nova descoberta na vida de Miguel, que sempre gostou de aventuras. O moreno Campo Verde, cearense, tornou-se seu professor de viola e repente, e dentro poucas semanas Miguel o enfrentava em duelo de gigante. Cantando durante as noites, primeiramente com seu mestre, depois com outros, mas sem sair de sua casa (som aceitava cantoria com quem lhe vinha procurar), assim Miguel adicionou outra fonte de renda, unindo o útil com o agradável – pois gostava muito do que fazia, tanto de lecionar, quanto de fazer repentes, ao som da viola.
Miguel Guarani (Miguel Borges de Moura) tornou-se famoso, em toda a região, por sua sabedoria, dedicação, lealdade aos amigos, honradez e independência de governos, embora votasse sempre a favor do amigo e parente Cel. Francisco Santos.
Para ter-se uma idéia aproximada de quanto era conhecido, amado e respeitado, é bastante saber que, falecido em 7 de agosto de 1971, o jornal “O Dia”, Teresina, 22 de agosto de 1971, estampou a seguinte nota: “Faleceu no dia 7 do corrente, em sua residência na cidade piauiense de Santo Antônio de Lisboa, o conhecido Mestre Miguel Borges de Moura, conhecido também por Miguel Guarani. Era natural de Francisco Santos e morreu vitimado por um ataque de trombose. Pai do companheiro Francisco Miguel de Moura, colaborador desta página, o Prof. Miguel dedicou toda a sua vida à causa do ensino primário, lecionando pelo interior e cidades de Picos, Itainópolis, São Luís do Piauí, Bocaina, Santo Antônio de Lisboa, Francisco Santos, Mons. Hipólito, São Julião, etc. Ultimamente era professor particular, com auxílio da Prefeitura de Santo Antônio de Lisboa. Foi também inspetor de escolas primárias naquelas regiões e, ao falecer, fazia o Censo Agrícola, em que vinha trabalhando desde 1940. Viúvo (era casado com D. Josefa Maria de Sousa), deixou três filhos: Francisco Miguel de Moura, bancário, universitário de Filosofia, poeta e crítico literário dos melhores de nossa terra; Professora primária Maria Josefa de Sousa, em Francisco Santos, e Helena Josefa de Sousa, diretora do Ginásio de Santo Antônio de Lisboa.
Seu sepultamento em Francisco Santos foi o mais concorrido de quantos já houve naquela cidade interiorana, tendo acompanhado o féretro, entrando no cemitério cerca de 1.000 pessoas. O velo Prof. Miguel, que era também poeta-impvisador, tinha uma grande multidão de amigos e alunos, e deixou, com seu desaparecimento, um grande vácuo no setor educacional da juventude daquela região. A Prefeitura de Francisco Santos, num preito de justa e reconhecida homenagem aos trabalhos do morto, cedeu à família deste a cova onde dorme o derradeiro sono o velho e querido Mestre”.

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OBSERVAÇÕES:
O trabalho acima foi escrito em cinco capítulos que foram publicados no jornal "Diário do Povo". semanalmente, às sextas-feiras, antes da publicação do livro "MIGUEL GUARANI - MESTRE E VIOLEIRO", Edições Cirandinha/FUNCOR, Teresina, 2005, de autoria de Francisco Miguel de Moura.

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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, membro da Academia Piauiense de Letras e da Academia da Letras da Região de Picos





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