segunda-feira, 16 de agosto de 2010

ANTÔNIO NOBRE E O CLUBE DO SILÊNCIO

 Crônica       
  
Francisco Miguel de Moura* 

CLUBE  DO SILÊNCIO

 A partir da esquerda: Izac, Uchoa, Eulino, Nobre, Cineas, Celestino e C. Miguel (de pé); sentados: Geraldo  e O.G. Rêgo


Procurei uma maneira de homenagear Teresina, no aniversário dos 158 anos, e me veio à lembrança um dos seus personagens atuantes, especialmente na segunda metade do século passado. Penso que mostrando, lembrando as pessoas que fazem a cidade e encarnam sua alma, além de fixar um sentimento, uma vida, fixa-se também a história de um burgo.  E Teresina vai perdendo sua história recente, por falta de cronistas, de memorialistas. Escolho o livreiro Antônio Nobre, nascido em 20 de novembro de 1926 e falecido em 31 de agosto de 1986. “Homem probo e sincero, cordial, mas, em momentos, chegava a ser ríspido na defesa de suas idéias. Inteligente, prático e ao mesmo tempo sonhador. Sonhava com uma humanidade menos sofrida, mais preparada para a vida, mais educada e mais dotada de amor”. Isto eu disse, numa crônica publicada no “Jornal da Manhã”, em 5 de setembro de 1986. Agora acrescento: Era um homem do livro, não vendedor de best-seleres ou de cadernos e materiais escolares, embora isto não seja um desdouro. Antônio Nobre, o Nobre da DILERTEC (nome de sua livraria), viveu sempre de vender livros e bons livros. Não era apenas vendedor, lia muito. Não era apenas leitor, escrevia os seus pequenos escritos denominados crônicas/artigos, nos quais discutia assuntos polêmicos com certa profundidade. Poucos foram publicados, por causa da sua modéstia. Sua livraria, quando alcancei, pelos anos 1960, funcionava na esquina da Rua Coelho Rodrigues com a 13 de Maio, onde hoje está a “Ótico Itamaraty”. Pouco tempo depois mudaria para Rua 13 de Maio, ali pertinho, ao lado do Cine Royal. A mudança foi fácil, podia levar os livros na mão, de tão perto que era o novo endereço. E esse novo ponto se tornaria realmente uma espécie de clube da cultura, a LIVRARIA NOBRE, isto pelos anos 1970/80. Ponto estratégico, aos sábados (dia certo das reuniões), quem não ia para o cinema, aportaria à livraria do Nobre, onde havia livros, conversa, café e muita gente. Reuniões acaloradas, onde todos falavam e poucos escutavam. Cinéas Santos, participante assíduo, já apontando como um dos grandes divulgadores da cultura nesta Capital, chegou a apelidar de “Clube do Silêncio” a essas sabatinas.  

Lembro, como hoje, ver chegarem estudantes, professores, senhores e senhoras em busca de livros, fossem para estudo ou apenas leituras ilustrativas e prazerosas. Pois lá havia de tudo, menos os best-seleres, que já eram vendidos nas bancas e em outras livrarias. Questão de honra – estes não seriam sua mercadoria. Também não vendia fiado, especialmente para o poder público, que não pagava ou, quando o fazia, o livro já perdera o valor pela inflação que nos corroia naqueles anos. Então, de pé, recebendo o cliente, Nobre perguntava:

- Qual é livro que deseja?

O freguês ou freguesa titubeava, titubeava e em seguida dizia:

- Ó seu Nobre, não me lembro!

Ele perguntava qual o assunto, mesmo assim nosso cliente nem sempre sabia explicar. E ele, já um pouco impaciente, fazia a última pergunta:

- Como é nome do autor, lembra?

Vinha-lhe a mesma resposta titubeante:



- Ah, seu Nobre, não me lembro!

Então, ele, no seu jeito característico, retrucava: - Sem saber o nome do livro, o nome do autor, ou pelo menos de que trata, qual o assunto, não posso vender, infelizmente.
          
Esse tipo de diálogo entre Antônio Nobre e seus clientes, foi ouvido por mim muitas vezes. E hoje posso deduzir que Nobre via longe, foi um precursor, previu o que aconteceria logo mais: um computador e um “sistema” pelo que a busca de qualquer livro iria depender de um clique e não da sua memorização de títulos e tantos autores. Tal como é hoje. Previu também que as livrarias deveriam ser livres, abertas ao público, onde podemos ler e reler, e só comprar quando realmente temos certeza do conteúdo da obra, visto que já franqueava a entrada dos “habitués” ao interior de sua loja.  Tudo exatamente como hoje, neste novo milênio.
__________________
*Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e da IWA(Associação Internacional de Escritores e Artistas), com sede em Toledo, OH, Estados Unidos

3 comentários:

Fernando Aguiar disse...

Na qualidade de filho do saudoso livreiro Antônio Nobre, venho pela presente, em nome de toda a família, agradecer ao imortal Francisco miguel de Moura, a belíssima homenagem referendada ao meu inesquecível pai em data tão significativa, que é o aniversário de nossa querida capital, Teresina.

umbelarte disse...

É lastimável, mas por falta de memória a nossa história vai desaparecendo. Parabéns pela postagem.

Um abraço,
Umbelina

Fernando Aguiar disse...

No intuito de colaborar com a preservação da memória do saudoso e inesquecível Livreiro Antônio Nobre e toda a sua lista de relevantes serviços prestados à educação e cultura de nosso estado, eu, seu filho, Fernando da Silva Aguiar, montei um pequeno e modesto sebo, localizado na Central do Livro Usado, na Rua Coelho Rodrigues, centro de nossa capital, onde ofereço a nossa comunidade, livros didáticos, paradidáticos, técnicos, literários, etc...
Mesmo com a minha graduação em Biblioteconomia pela UESPI, sei que não sou portador do cabedal de conhecimentos do Nobre,que com toda modéstia,foi citado pelo imortal e intelectual Clidenor de Freitas Santos como o livreiro mais inteligente do Brasil, mas com o sangue de livreiro circulando nas veias, dedico-me a esta árdua tarefa de vender livros. Monteiro Lobato já enunciava "Um País se faz com Homens e Livros", alguns afirmavam ou afirmam:"O livro é algo perigoso", e o experiente livreiro Antônio Nobre emendava:"Mais perigoso é ignorá-lo", finalizo com a reflexão do mesmo Monteiro Lobato sobre o Livreiro.

O Livreiro

(Texto de Monteiro Lobato, extraído do site da Associação Nacional de Livrarias)

“Entre os mais humildes comércios do mundo está o do livreiro. Embora sua mercadoria seja á base da civilização, pois que é nela que se fixa a experiência humana, o livro não interessa ao nosso estômago nem a nossa vaidade. Não é portanto compulsoriamente adquirido. – O pão diz ao homem: ou me compras ou morres de fome; – O batom diz á mulher: ou me compras ou te acharão feia. E ambos são ouvidos. Mas se o livro alega que sem ele a ignorância se perpetua, os ignorantes dão de ombros, porque é próprio da ignorância sentir-se feliz em si mesma, como o porco com a lama. E, pois o livreiro vende o artigo mais difícil de vender-se.
Qualquer outro lhe daria maiores lucros; ele o sabe e heroicamente permanece livreiro. E é graças a esta generosa abnegação que a árvore da cultura vai aos poucos aprofundando as suas raízes e dilatando a sua fronde. Suprimam-se o livreiro e estará morto o livro – e com a morte do livro retrocederemos á idade da pedra, transfeitos em tapuias comedores de bichos de pau podre. A civilização vê no livreiro o abnegado zelador da lâmpada em que arde, perpetua, a trêmula chamazinha da cultura. ”
- Monteiro Lobato

Com muito amor, em nome de toda a família, envio um abraço fraternal a todos os amigos, simpatizantes e até mesmo algum ou outro "antipatizante", que possa nutrir tal sentimento por não conhecer mais a fundo a grandeza de coração deste grande homem, que de origem tão humilde, um autodidata, chegava, em certos momentos, a esbravejar contra a nossa república, não por desafeto, mas movido por sentimentos patrióticos, em que, como afirmou o nosso querido Imortal Francisco Miguel de Moura, quando da despedida do Nobre de sua vida terrena, fulminado por terrível doença,onde foi morar com o PAI, ofereceu todo o seu sofrimento por uma sociedade mais justa e dotada de amor.

Fernando S. Aguiar

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