quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

POLEGAR DIREITO

Tarde quente aquela. A agência estava lotada. As pessoas na fila resmungavam:

- Eita! caixa lento.

Não tem mais cadeira nem água pra cliente. O gerente disse que é pra fila andar mais rápido. Ninguém pode sair da fila. Perde o lugar. Perto do almoço, o zumbindo chega. A vista escurece. O calor aumenta. Pior quando a cliente é uma senhora. Elas são lentas e enroladas. É uma bolsa dentro de outra bolsa, dentro de outra bolsa. Na hora de pagar é catando as moedas. Se pedir um documento, são duas horas pra achar.

Outro dia chegou uma senhora no meu caixa. A agência quase sem cliente. Foi renovar a cautela. Deixou jóia penhorada. Informei o valor a pagar. Ela olhou para os lados. Pensei que estivesse sendo seguida, mas não. Levantou a saia e tirou de dentro da calcinha um bolo de notas de um real todo suado e disse:

- Armaria! Lá se vai todo o meu apurado.

Nem me lembro quantos espirros dei ao contar aquele dinheiro. Um dia eu deixo de ser caixa.

No caixa aparece cada figura. Já atendi doido, bêbado, autoridade arrogante, que por sinal é raro encontrar um que não seja, mas têm pessoas simples também. Retratos do Brasil! Foi o caso do seu João. Gari por profissão, negro e pobre, chegou vestido com uma camisa surrada e suado.

- Quero tirar um dinheiro da minha poupança? É pagamento de salário da prefeitura.

- Certo. Preencha aqui a guia de retirada...

- Não sei não doutor. Não sei ler nem escrever.

- Não se preocupe.

Preenchi a guia, peguei a almofada para colher as impressões digitais.

- Me dê o seu polegar direito.

O cliente colocou a mão no bolso da camisa e das calças e disse:

- Trouxe não doutor.

Então, pedi:

- Me dê seu dedão.

Prontamente ele estirou seu polegar direito quase no meu rosto, ou melhor, seu dedão para que pudesse colher a impressão digital.

Autor: Francisco Miguel de Moura Júnior

Um comentário:

CHIICO MIGUEL disse...

Gostei. A anedota virou conto. Todos os contos de humor já foram anedotas.
Está bem escrito, os diálogos convincentes.
Abs;
Chico Miguel

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