domingo, 14 de agosto de 2011

ENGANOSO DIA DOS PAIS - CRÔNICA



           Francisco Miguel de Moura*
                           
       
        Não sei que razão oculta me conduz a esta crônica em homenagem aos pais. Pai é coisa do passado, atualmente figura de retórica da família, depois da liberação da mulher. A personagem do «pai» só serve para promoção de lojas, através da televisão, no «dia dos pais». Nessa oportunidade, só se fala em compras, compras, compras - isto é nos dias que antecedem a data - de presentes que os pais compram com os filhos para si mesmo. Grande enrolada fazem o comércio e os meios de comunicação de massa. A grande mentira.  Os pais circunspectos e conselheiros, chefes de família insubstituíveis, de outrora, transformaram-se nos «palhaços» de hoje. E com isto não quero ofender, de forma alguma, os verdadeiros palhaços.
        Mas, ao cronista, o que menos importa é o presente, a festa.  De tudo, o melhor é a significação do evento.  Um livro (muito bem!), uma gravata, um par de meias, ou aquela camisa de que realmente estava precisado, mas a compra sempre era adiada, mesmo forçando a economia de uns trocados do pão, do leite, da carne, da luz, da água, não era suficiente. É verdade que as peças já se esfiapavam a olhos vistos ( a calça, inclusive),  que o pano desbotava a cada lavagem no colarinho, nas costas,  que os botões já eram de tantas formas e tamanhos que mais parecia um tabuleiro de exposição.
        A compra adiada, enfim, chega ao seu dia, graças ao cartão de crédito que obteve com enorme dificuldade, para satisfação dos filhos e também manter o hábito burguês.
        Enfim, a data é motivo para um bom «papo» sobre o dia e sobre os pais.  E a maioria dos pais são velhos.
        - Eles sabem de tudo, são os donos da palavra. Que fazer? Afastar-se,... Ou, o silêncio.
        - Não, não é bem assim, outro tenta remendar.
        É que os jovens, porque ainda não viveram, deviam estar aprendendo com a experiência alheia, com menor esforço, sinal de inteligência. Hoje não querem mais saber disto, não. Só ditar e rolar suas músicas barulhentas, seus assuntos ocos, suas novidades da moda, marcas de carro, etc. embora não possam possuir nenhum.
        - São uns tontos.
        Não tendo com quem conversar, os velhotes ficam sonolentos diante da tevê, pegam o cochilo da rede ou do sofá, ou se deixam ficar em qualquer canto como uma móvel imprestável. Acordados, voltam aos seus devaneios, a pensar as frustrações da vida - que todos temos, principalmente no outono. E isto não é bom.
        Vai daí, lembra-se de um livro que recebeu como presente dos filhos  e começa a sua conversa silenciosa, respeitável, amiga. A leitura e, para quem tem o costume, a escrita são os melhores hábitos da pessoa madura. Substituem a comunicação ao vivo. Já que nem sempre é possível encontrar gente do seu tempo, da sua idade, dos seus gostos e preocupações, testemunha dos mesmos acontecimentos...
        Quem mantém uma boa correspondência conversa de longe e parece tão de perto. Quem faz poesia devaneia e parece estar vivendo feliz. Quem escreve um diário se diverte.
         Lendo as cartas e os artigos de Montezuma de Carvalho, amigo de Portugal,  passei o dia dos pais do ano passado. Que vou fazer este ano? Naturalmente, observar, brincar, rir, cuidar de de minha filha de pouco mais de um ano. Ela ainda não articula muitas palavras, só frases sem verbos, de desejos ou de observação dos seus sentidos. Mas é uma boa companhia, porque, no fundo, é melhor estar acompanhado de uma criança - quanto mais tenra melhor - do que  de um desses rapazes ou moças taludinhos que têm opinião (ferrenha e livre de qualquer revisão) sobre tudo: o mundo, a filosofia, o direito, as relações humanas, as ciências e até literatura e arte.
        Estou convencido, também, de que não há pais no sentido psicológico, espiritual. Há apenas pais biológicos e, pasmem! econômicos. Seus filhos são desvestidos  da alma, da comunicação, do intercâmbio dos sentimentos, do próprio sentimentalismo tão comum ao brasileiro. Não há realmente pais.
        Olho para Mecinha e me digo: só me convencerei do contrário, no futuro, daqui uns 12 ou 15 anos, se minha filha vier a desmentir-me esta verdade que estabeleci diante do vivido e observado até agora.
        Para quem não tem paciência, humildade ou um verdadeiro e forte senso de humor, é triste.
        - Mas não fique triste não, me retruca Osmundo Vergado, meu velho conselheiro. Contra fatos não se discute. Todos os argumentos falham.
        Que posso fazer? Calar.
________________
* Francisco Miguel de Moura, o pai de todos os momentos, embora não apareça sempre. Com um abraço aos filhos e netos.E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
http://cirandinhapiaui.blogspot.com

Um comentário:

Gisa disse...

Meu querido amigo. Como habitual ótima crônica. Acompanho teu raciocínio. O comercial há muito ganhou do afetivo, do simbólico, do respeitoso, do necessário, do familiar. Hoje, o objetivo do lucro com o consequente cresimento nas vendas é sempre a notícia principal do jornal após as datas. O ator principal da data só tem serventia para o antes, no momento da propaganda que conclama a todos para a corrida consumista.
Enfim, hipermodernidade é isso, mas como tudo passa, um dia há de passar também. A dúvida fica no que virá.
Um grande bj querido amigo.

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