Por O Santo Ofício | 23 abril, 2011
Do blog Entretextos*Francisco Miguel de Moura, escreveu:
A juventude de outrora era cheia de ilusões, generosa e sadia. Boas
ilusões! Os jovens d’agora são escrachados, não apenas na linguagem
falada ou escrita (orkuts,facebooks etc.), mas também nos atos e costumes. Não
são
ouvidos os mais velhos, ninguém obedece, ninguém lê, ninguém quer
nada com nada. Cecília Meireles escreveu: “Liberdade, esta palavra / que
o sonho humano alimenta / não há ninguém que a explique / e ninguém que
a não entenda.” Não adianta falar em democracia e liberdade e não
respeitá-las sequer diante de um simples sinal de trânsito, dizemos
todos. E ninguém escuta.
Ouço uma notícia na tevê: um preso, agraciado com um dia de soltura
em casa para comemorar “o dia dos pais”, acaba de assassinar alguém e
deixar outros feridos. Cansei-me de dizer e escrever que não adianta
agraciar presos comuns por ocasião de datas festivas, nem por qualquer
pretexto. O que é um princípio de humanidade da lei e da Justiça passa a
expressar uma desumanidade imediata. Mesmo que o criminoso tenha bom
comportamento no xadrez, apresentá-lo em soltura vigiada é sempre um
grande perigo: de fuga, de novos crimes.
É oportuno citar Ascendino Leite sobre ilusão e desilusão: “As
verdadeiras desilusões são generalizadas e se processam no coração de
qualquer homem. São as que investem contra as paredes da vida e a
plenitude dos seus fenômenos.”.
Creio que, com reação aos dois itens: – a falta de obediência às leis
do trânsito em nossa sociedade (Brasil) e a generosidade da justiça ao
conceder licenças vigiadas a presos comuns – a desilusão já bateu ao
coração de qualquer homem simples, como diz Ascendino Leite. Eu confesso
que gostaria de ser melhor do que sou, mas vejo, sinto, vivo as
injustiças que se praticam com os inocentes. Não posso ficar preocupado
com as “injustiças” que por acaso aconteçam aos criminosos. Quem merece
mais? Não sou falso, nem mesmo para apresentar modéstia. Tudo tem
limites, até a bondade. Como é que vou aplaudir quem desrespeita a lei?
Ao contrário, desejo que seja castigado severamente – isto é, que as
leis sejam justas e cumpridas. Assim se evitará morte ou invalidez de
quem, ao contrário, sempre respeitou, sempre andou com a lei. Enquanto
isto não acontece, como falar em democracia, justiça, liberdade,
direitos humanos, todos? Cidadania é respeitar as leis, trabalhar para
que sejam bem feitas, lutar pelos desafortunados, mas de maneira não
personalista, não “política”, não por aparecer. Neste sentido é que
minhas desilusões não resistem às minhas ilusões da juventude,
românticas, tão boas, sem limites, por uma democracia que não veio, uma
liberdade que não existe, direitos totalmente desrespeitados em nome de
quê? Da liberdade. Ora, isto não é liberdade. É libertinagem.
Ascendino Leite, no livro “O Jogo das Ilusões”, conclui que “a
desilusão de ser homem e ter paixões foi a mais triste, talvez porque a
que mais distante me manteve do infinito.” Apegar-se às coisas menores,
particulares (ilusões), em detrimento dos princípios que Deus e a
natureza ditam em benefício do ser humano e do ser social, não só
entristece – faz-nos mais brutos do que os brutos. Por que não temos o
direito nem a necessidade de agirmos como feras. E parte da humanidade
age. Não são maus, são insensatos, tornam-se objetos de massa,
mercadorias manejadas pelas ideologias de quem não tem ideologia senão a
de si próprio.
Mas é preciso ter coragem para que não cheguemos à desilusão total.
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*Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras, da União Brasileira de
Escritores e da IWA (Associação Intrnacional de Escritores e Artistas),
sede nos Estados Unidos – E-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com.br
2 Comentários
“Parabenizo-o pela excelente publicação. Transcrevi, numa homenagem a um dos poucos intelectuais que restaram fiéis ao labor das culturas que se propagam nas provincias através de mestres modestos e criteriosos, como o escritor e crítico Francisco Miguel de Moura, seu colaborador, a quem admiro.
Vou recomendar Entretextos.
Meus cumprimentos.”
A publicação transcende a superficialidade, algo que a distingue na blogosfera.
A crônica de Francisco Miguel de Moura, que vive em sua Teresina, evoca um mestre – um dos meus mestres secretos -, Ascendino Leite, paraibano que se tornou norte-rio-grandense e, depois, natalense; um stendhaliano, como escrevi num pequeno ensaio publicado em O Santo Oficio.
Mas, ao lê-lo, acrescenta e contextualiza; como leitor exemplar.
Franklin Jorge.