domingo, 27 de janeiro de 2013

ANDERSON BRAGA HORTA - O AUTOR POR ELE MESMO

   Depoimento        


              Nasci na cidade mineira de Carangola, em 17 de novembro de 1934.  Meu pai, o advogado Anderson de Araújo Horta, e minha mãe, Maria Braga Horta, eram professores e poetas.  Assim, criado num ambiente de respeito à cultura e amor aos livros, posso dizer que recebi em casa mesmo os primeiros estímulos literários.

             A família morou, sucessivamente, em Carangola, Manhumirim, Belo Horizonte, novamente em Manhumirim, depois em Resplendor, Mutum, outra vez em Carangola.  Já então acrescida dos manos Arlyson, Augusto Flávio e Maria da Glória.  Em 1942 fomos para Goiás, passando três anos na antiga e dois na nova capital do Estado.  Em Goiás Velho nasceu o caçula, Goiano.

             De volta a Minas, novo périplo em redor de Manhumirim, onde residiam meus avós maternos:  Aimorés, Mantena, Lajinha, cidades que eu visitava nas férias, pois, tendo começado o ginásio em Goiânia, fiz, nesse período (de 1947 a 1953, para ser exato),  as três últimas  séries em Manhumirim e o clássico em Leopoldina.  Já me encontrava no Rio de Janeiro, cursando Direito, quando para lá se mudou a família, em 1956.

            Transferi-me para Brasília em julho de 1960, como redator da Câmara dos Deputados, a cujo serviço fora admitido em 1957 como datilógrafo.  Os irmãos foram também atraídos pelo Planalto Central, a que finalmente aportaram os pais, em 15 de novembro de 1964.

             Exerci ainda o jornalismo e o magistério, tanto no Rio quanto em Brasília.  Meu primeiro trabalho, contudo, foi como securitário, na Velha Capital, a não ser pelos meses em que lecionei no Seminário de Leopoldina, cidade em que prestei, após o curso clássico, o serviço militar (tiro-de-guerra).
            Já radicado em Brasília, casei-me no Rio, em 1962, com a capixaba (de Cachoeiro de Itapemirim) Célia Santos.  No ano seguinte nasceram os gêmeos, brasilienses, Anderson e Marília.

           Meus pais aqui faleceram, mamãe em 1980, papai cinco anos depois. As primeiras impressões literárias que retenho datam da cidade de Goiás: uma página de Humberto de Campos em que o autor, na primeira pessoa, confessava um furto de menino —o que me deixou consternado—; e o “Pequenino Morto”, de Vicente de Carvalho, cujos melodiosos hendecassílabos encheram minha alma infantil de tristeza.  Em Goiânia me tornei leitor voraz de histórias em quadrinhos e de todos os livros que havia em casa — Gato Preto em Campo de Neve e Clarissa, Ecce Homo e Assim Falava Zaratustra, Meu Destino É Pecar (isso mesmo, o livro proibido de Nélson Rodrigues) e o mais em que pude pôr a mão e os olhos.  A impossibilidade de compreender tudo não era obstáculo ao entusiasmo do jovem devorador de letras.

             Por essa época, apesar da força atrativa dos quadrinhos, que me guiou a mão numa série de rabiscos, até mesmo numa historieta de texto e desenhos típicos, o autor mais amado foi, sem dúvida, Monteiro Lobato, por sua obra infanto-juvenil, que reputo ainda hoje incomparável.

             Mas quem me levou a escrever poesia, conforme tenho repetido em páginas de depoimento literário, foi mesmo Castro Alves.  As primeiras tentativas, frustradas, resultantes em prosa ritmada, datam de Manhumirim, ao tempo em que freqüentava o Colégio Pio XI.  As primeiras realizações, de Leopoldina, em 1950.

              A outra grande influência de então foi Bilac.  E, depois, tantos poetas que nem convém enumerar!  Dos clássicos aos românticos, dos parnasianos aos simbolistas, desses aos modernos, que me ensinaram a quebrar o verso, sem descartar a tradição.

              Penso que o poeta não pode deixar de se assenhorear das técnicas do verso, embora a técnica, obviamente, não seja tudo.  Que ao escritor compete extrair do potencial de sua língua toda a cintilação que possa, dignificando-a sempre.  Que escrever é atividade intelectual, sim, mas não se esgota no âmbito do intelecto; que o poeta há de comover-se e comover, sim, mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia.  Que a esse amálgama de pensamento, emoção, sentimento que é o poema não se deve tolher o voltar-se para a sorte do homem no espaço e no tempo, seja do ponto de vista filosófico, seja do social; pois à poesia, arte da palavra, interessa necessariamente tudo o que de humano se possa representar nela.  E que, portanto, a arte do poeta há de ser mais complexa, mais completa, mais abrangente e mais profunda do que tendem a fazê-la os jogos —algumas vezes brilhantes— a que pretendem reduzi-la correntes revolucionárias.

             Isso posto, confessadas, via de conseqüência, as minhas próprias limitações, passo, com a possível humildade, ao balanço de quatro décadas de produção poética —omitida, quase totalmente, a inicial —, balanço em que, de algum modo, se traduz a seleção de poemas que ofereço ao leitor.
 
Brasília, 31 de maio de 1999.
web:  plataforma.paraapoesia.nom.br

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