segunda-feira, 17 de março de 2014

POEMA DE JOSÉ FILHO

TERESINA, FEVEREIRO DE 2014.

A vida, o homem, a lama

na lama que descalço apanhei minha vida
esclarecia a um homem qualquer o sentido da vida
não era fácil achar temores neste homem

numa vida qualquer apanhei minha lama
esclarecia a esta vida o sentido do homem
não era difícil achar temores nesta vida

no homem descalço apanhei minha lama
calcei-o esclarecendo o sentido da lama
não era fácil me achar no temor a esta lama

Meu outro

Curvado ante meu outro que não vejo
(destro ausente em canhota inoperante),
finjo me alimentar mais diletante
de um ser movido a dúvida e almejo.

Concentro-me em ideia de despejo
do meu pavor que deixa inquietante
o meu outro que sangra em chão gritante
da minha vida que eu sem fé protejo.

Surda veemência engole o meu instinto.
Meu outro é silêncio em cada ser.
Eu sou a voz que sai da minha mente.

Meu outro rir-se quando descontente
me disfarço em ser ele enquanto sinto
que o disfarce me faz sobreviver.


Quando o rio não passa e a canoa se quebra   
(Poema de cunho surrealista)

frio calor queima minhas mãos sóbrias por causa do luxo e do lixo dos meus calcanhares
pulo a cerca dos sentimentos maduros para observar
se ainda estão delegando ausências dos meus pesares
um vestido bonito uma boca melodiosa dançante me
identifica como brisa da sua alma e como lama do seu chiqueiro
cansei-me pois meus calcanhares pensaram
e querem o luxo e o lixo o luxo e o lixo dos meus sonhos embriagados

O silêncio

Dentro de mim há um fora que se apouca em sua grandeza.
Trago um silêncio de lá barulhento.

A voz que cai no mundo dos sons vinda de dentro
em si é fechada e pouco a pouco teima em se abrir
feito flor que provoca os sentidos mais puros
com a melodia que encanta a visão de um toque exalado.

Cedo à vontade ruidosa do meu silêncio: calo-me.

Sou um sopro que propaga o meu vento.

Aqui há um tempo sobrevivendo
como se a fala fosse ela mesma.

A fala é o silêncio em silêncio.



Ao onipresente verme-deus 
(Soneto escrito ao modo Augusto dos Anjos)


Sangue a cozer nos moldes ilusórios
na plena chama vinda do inferno
dos olhos tristes cujo pó eterno
a esvair-se em solos perfunctórios

surge da obsessão em vãos velórios.
É meu sangue a pingar no meu inverno,
frio qual um defunto cujo interno
de si fede, e apodrece os oratórios.

A ferida a abrir sem um mistério
é minha vida em fogo verdadeiro:
não passo dum cadáver deletério.

Meu corpo putrefato e passageiro
tomba no solo vil de um cemitério.
Cruzes vãs burlam ainda o mundo inteiro.


Um sonho

Fecho os olhos e vejo em mim o corpo em chamas;
vermelhos fogos gritam vendo os seus vapores
cá em minhas artérias cujas vertem dores
na minha mente sob a forma de mil damas.

Meus pés se veem sobre pessimistas lamas,
oriundas da argila que alimenta horrores.
Minhas mãos se transmutam em escuras flores.
Meu jeito em mim se perde renascendo dramas.

Vozes ouço no certo tempo em que se abraçam.
Vermes espreitam minha boca a fim de eu rir
das outras que eu bem vejo e que bem se devassam.

De repente ali sinto um forte calafrio,
como se a morte a mim cobrasse este existir...
Porém desperto, sem saber se choro ou rio.


Soneto à Grande Morte


Grande Morte! Refúgio eterno dos mortais!
Bálsamo dado a todos que tingem a Vida!
Destino do homem! Causa de temores! Tida
como a grande senhora das vãs guerras tais!

Vivemos para ti, grande Morte sagaz!
Seguimos a ti, não a Vida, esta rendida.
Nela, somos tão só pó em pose suicida;
em ti somos mais vivos – obtemos a paz.

Tua forma esquelética traz-me a certeza:
não há ricos nem pobres para ti. Nobreza,
somente a tua, eterna, tão como a de Deus.

És deusa das tragédias! Dama dos horrores!
Grande Morte! Que traz aos vivos medos, dores,
ninguém te escapa! Todos nós seremos teus!

Quotidiano

Só, olho o meu olhar no meu manchado espelho:
vejo uma ágil fera sem de mim ter medo.
Sombras me espiam sôfregas em seu degredo,
a fim de que eu derrame mais suor vermelho.

Ouço um som inaudível num triste aparelho.
Reparo que meu quarto me tem por segredo.
Saio de casa tão logo de manhã cedo
– eu vou aonde nasce e morre algum conselho.

Nas ruas, a observar milhares de pessoas,
eu enxergo a poesia que as faz serem boas.
Vejo o encanto da vida num riso benquisto.

Já tarde, chego em minha casa em corpo lasso.
E pegando o meu drinque de descanso, faço
um poema que a mim diz por que mesmo existo.

O homem, o mundo

Este mundo onde em tudo há um fastio
de infortúnios em cada cotidiano,
cala quando a voz rouca do humano
ser ecoa, mostrando-o fugidio.

Nada é mais lúgubre e tão sombrio
do que o que há em nós, de modo ufano
– essência que une o são com o insano,
e que projeta a imagem do vazio.

A voz do mundo gera desventuras,
o homem planta no mundo suas loucuras.
O mundo e o homem têm a mesma face.

Vê-se amiúde o rosto da agonia
do homem diante do outro, com sangria,
como se ele a si próprio só matasse.

Fugere

Eu me encerro onde me falho,
mas persisto em ser-me assim:
covarde, ou um espantalho
que me guia até meu fim.

Sinto hoje esta dor ruim
que me assalta – este meu malho.
Tenho tanto dó de mim
– chego a crer que nada valho.

Fiz-me o meu próprio algoz,
iludido por mim mesmo
e pelo que assim me pôs.

Hoje estou vagando a esmo
neste mundo sem saída
– acabei com a minha vida.
   

As horas 
(Soneto cuja construção lembra um de Camões)

Passam-se as horas, passa em mim o mundo,
passa a vida, em mim passam as vontades.
No mundo eu sempre quis serenidades:
neste meu mundo, exausto e infecundo.

Não pude por mim mesmo ser profundo
nas mais vivas ações, atividades.
Confesso que vivi com brevidades.
Mas hoje ainda a vida eu a retundo.

As horas passam rápidas, correndo.
Não as alcanço, pois fútil eu ando
igual a tantos que hoje estão sofrendo.

Nas agruras de um solo vil, nefando,
deito o meu corpo hoje senil, fedendo.
Passam-se as horas, passo eu não estando.


Poema da guerra

            “Os homens não melhoraram
            e matam-se como persevejos.”
                                       Drummond 

O mundo chora. O homem o faz chorar.
Carnificinas de almas há por toda parte
do mundo que chora. Porque o homem é
responsável por elas. O homem.

O mundo chora pelo sangue inocente
que o homem derrama. O homem.
O mundo criou medo do homem.
Pois o homem almoça e janta outro homem.

O homem. O mundo. O sangue do
homem que adorna o mundo. A morte.
Morte que ceifa o homem desde o
raiar do mundo. E que o faz chorar também.

O homem. O mundo. A morte.

Caveira

Ri, Caveira, da dor da humanidade!
Tua sina dos vermes fora outrora,
mas hoje tu sorri, e o homem chora
medroso no sepulcro que o invade!

Ri, irônica, ri da sanidade
do homem que julga o louco e se devora!
Ri das desgraças férvidas de agora!
E vê se temos a Felicidade!

Caveira! Antes com pele – rosto sério.
Hoje, a rir do destino tão funéreo
do homem que faz da própria vida asneira!

Tomando o meu bom rum, vão e absoluto,
ébrio entre os ébrios, eu, poeta, escuto
o teu riso a ecoar, vivo, Caveira!

A lufada 
(Para soneto esqueci de por uma epígrafe de Celso Pinheiro)

Sinto em minha alma triste uma lufada,
lufada que ao meu ser só traz consigo
a angústia, que destrói o meu abrigo
de esperança de vida sossegada.

Leva ela ao longe minha bem talhada
confiança que em mim tenho em perigo.
Fico por isso imóvel qual jazigo
que em si possui uma alma desossada.

A lufada me vem toda vez forte
que chego a implorar à própria morte
que afaste de mim minha própria vida.

Não sei de onde ela vem, qual sua origem.
Só sei que a sinto, aflito, em tal vertigem...
– Vento que arrasa a terra já florida.

Poema mentiroso

Os meus dias cortejam a alegria.
Encantam a quem os veem sorrindo.
São cantantes e alegres os meus dias. Os meus dias lindos.
Sinto-me contente em tê-los. Sinto-me
feliz em vivê-los. Sinto-me a própria bondade que eles me dão.

Os meus dias nunca choraram:
sempre foram otimistas e lisonjeiros.
Minha vida sem os meus dias seria uma morte,
uma morte que não deveria existir aos que são felizes.

Os meus dias riem bastante.
Os meus dias me fazem esquecer os males que os querem findar.
E saem pela vida espalhando pétalas de alegria.
E sempre anunciando que são meus.

______________  
Nota do editor deste blog:
Conheci José Filho na Livraria da Universidade, trata-se de um professor que faz revisões da Editora da FUFPI. Ele não me pediu que eu desse divulgação, mas achei tão interessantes, para a idade de dele (me pareceu jovem) que resolvi publicar a coleção que ele me mandou po e-mail. É claro que os sonetos não têm a perfeição dos poetas que ele lê e cita. Mas isto é de menor importância. Importe é que ele continue fazendo poesias pois tem este honrosa inclinação, que não é para poucos. 
as) Francisco Miguel de Moura

Um comentário:

António Eduardo Lico disse...

Um belo conjunto de poesias.

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