Francisco Miguel de Moura*
A cada dia a gente é um desafio
à grande noite e vai sonhando o mundo
sem tempo... A gente vai chegando ao fundo
da gente mesmo! E o cheio está vazio.
A cada dia a esfinge fere o fio
do medo, da avareza... E, de segundo
a segundo, o buraco é mais profundo
das coisas que passaram como um rio.
A cada dia a gente se amargura
com o futuro mais perto. Uma loucura!
E então desabam as tristezas de antes.
E a cada dia a gente é tão pequeno,
que o próprio doce é mais do que veneno
pois já morreram todos os amantes.
À SOMBRA DO SILÊNCIO
Francisco Miguel de Moura*
à sombra do silêncio me produzo,
à sombra do silêncio não me abuso,
à sombra do silêncio é que me afio.
À sombra do silêncio, eu constituo
a mesmice que a vida me concede,
à sombra do silêncio tenho a rede
que não ringe, e meu sonho continuo.
À sombra do silêncio eu me desnudo
do que tenho de mau, ai, não me iludo!...
Desprendida de tudo,a alma se aquieta.
À sombra do silêncio, podem crer,
vivo em paz, crio em paz e vou morrer...
Que a sombra do silêncio me completa.
AMOR É VIDA
Francisco Miguel de Moura*
Quem disse que o amor não manda, tente
Ficar assim na vida absoluto!
Amor manda no triste e no contente,
Amor e vida não suportam luto.
Amor é flor, depois se torna em fruto,
Um fruto que ao cair deixa semente,
Semente onde o amor é mais enxuto,
Dela nascendo o amor mais inocente.
Mas se amor é veneno que maltrata,
Quem se não ele próprio traz a cura?
Quem se não ele une os casais, reata?
O amor é como estrela em noite escura,
Se amor não mente, amor também não mata,
Pois quanto mais amor maior ventura.
ETERNA PAISAGEM
Francisco Miguel de Moura*
Havia a várzea verde e o canavial
E uma casa plantada lá na encosta
Do morro, onde subiram vezes tantas,
O menino e a menina, tranças soltas.
Nenhum sabia que ao subir o morro,
Outro mundo subia, nem sonhava
Que a inteira infância ia ficando atrás
E outro sonho talvez nascendo fosse...
Se apagasse a rotina lá do engenho
A moer cana, madrugada a dentro,
E as borbulhas do forno a faiscarem.
Mas subir é descer, no mundo estreito,
E o fogo que os queimava, sem respeito,
Transformou-se no cinza da paisagem.
O QUE MORRE
Francisco Miguel de Moura*
Casa e caminhos morrem desamados,
esquecidos, na solidão do Além.
Os segredos falecem de guardados,
e amores morrem quando morre alguém.
O porto morre, a onda se esvazia,
e o sonho esvai-se quando acorrentado,
e treva nasce do morrer do dia.
Vão-se o rico, o feliz e o desgraçado.
Nada é perene, pois quem nasce vibra
somente um instante para a queda enorme,
eis que essa lei fatal tudo equilibra.
Morrem lembranças, fruto do passado,
e o presente e o futuro quando dorme
o homem sem fé, sem luz, abandonado.
O TEMPO SEMPRE VAI
Francisco Miguel de Moura*
O tempo sempre vai, tempo não volta,
pois do futuro faz sua grande meta.
Caminha sem volteios como atleta,
não anda devagar nem sob escolta.
Veja o tempo da moça, ou do poeta:
Precisa sempre da cabeça solta...
Mas se em dado momento se revolta,
não volta atrás, na linha se completa.
Se o tempo humano desse para trás
seria um desmantelo em tudo mais,
a matéria em fumaça tornar-se-ia.
E, loucos, os filósofos e os poetas
trocariam as curvas pelas retas,
e nesse passo a mundo acabaria.
PEDRAS E LÁGRIMAS
Francisco Miguel de Moura*
A casa onde eu nasci já não existe,
Só vi pedras e pedras no lugar
E, ao lado, a sombra do menino triste,
Caçador de motivos para amar.
Amar o que está morto, amar o nada,
Amar o que se ergueu depois ruiu,
Sem pernas pra tamanha caminhada,
Sem forças pra falar nem dar um pio.
Espectro do desgosto impressentido,
Do espaço-tempo em solidão ferido,
Saudade estéril! Que saudade medras!
A casa onde nasci não mais existe
E a dor acumulada não resiste
Às lágrimas fendidas pelas pedras.
PENSANDO...
Francisco Miguel de Moura*
É pensando que a gente se levanta
Sem perceber os ferros da paixão,
E escolhe a beleza em que se encanta
Sem palavras, nem dores, nem canção.
Pensando sempre bem a vida passa
E nós por ela passamos sem saber
Que o tempo não é graça nem desgraça,
Por isto a gente vai sem nada haver.
De manhã, sobe o sol ao firmamento,
Percorre seu caminho em calma santa,
E é deste sol que nasce o pensamento.
Vai devagar quem pensa... E no declive,
Anda, corre, tropeça, cai, levanta...
Quem pensa e ama a tudo sobrevive.
POEMA, AOS OITENTA
Francisco Miguel de Moura*
Comecei minha vida pelo amor,
Amor à mãe, ao pai, tão bons e crentes,
Amei os meus irmãos e meus parentes,
Que a arte para mim rimava em flor.
Namoradas, no tempo, eu alcancei,
Que motivaram versos a mancheias,
Umas, novas e belas, outras feias...
Príncipe fui, pensando ser um rei.
Sorridente e cativo da palavra,
Da verdade que flui e então se lavra,
Resisti bem aos sonhos em reverso,
Pois carreguei com força o meu passado,
Fiz glosas sobre o bem e o mal-amado,
E me encantei nas curvas do Universo.
Teresina, PI, 16/06/2013
POIESIS, POIESIS...
Francisco Miguel de Moura*
Pervagamos um mundo de incertezas,
Sobre os passos de estranhas euforias
Que derretem tão cedo almas vazias,
Sem distinguir purezas de impurezas.
É que o futuro esconde outras surpresas,
Repositório e escombro de homilias...
Como livrar-se, então, todos os dias,
Cruzando os braços, preso nas tristezas?
Não é que a vida, o vale das verdades,
Confunda, o’ céus, belezas com beldades
Escondidas por trás de antigos frisos.
É que ao guardar mentiras e vaidades,
Em meio ao desencanto das boutades,
Sobram saudades, sonhos... Fantasias!
QUERENÇAS
Francisco Miguel de Moura*
Quero ter a vaidade dos caminhos:
dão passagem mas pouco dão abrigo.
Quero ter o orgulho do tufão,
Quero ter a tristeza do jazigo.
Quero sentir da tarde a lassidão
e a solidão da noite no deserto,
das pobrezinhas flores – o perfume,
como as nuvens – ficar no céu aberto.
Quero ter emoções de amor secreto,
sentir como se sente uma paixão,
pra cantar glórias e chorar amores.
Quero viver do ideal concreto,
quero arrancar de mim o coração,
incapaz de conter todas as dores.
SIGNOS E SONHOS
Francisco Miguel de Moura*
Eu sou aquele que jamais me entendem,
Mergulho em sonhos – douda fantasia,
Que me calam de amores, com magia:
Saudades do passado e do presente.
Sou pirilampo em noite inconsistente,
Quando ninguém espera – se faz dia,
Luz que cega, depois mostra o caminho
Na escuridão do poema que alivia.
Vôo sozinho sobre os tetos, vôo
Mais ligeiro que as asas do avião,
Pensando em nada, salvo um paraíso.
Sou céu distante e céu inexistente,
Sou palavra que cria e me dá tempo
De ver o chão dos signos onde piso.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, vai publicar no próximo ano, seu novo livro "Poesia in
Completa (Livros 1 e 2, num só volume) e apresenta aos leitores e críticos estes sonetos, dentre os quais tiraria um para figurar na Contracapa da obra. Espera ser visitado por muitos e comentados, para que sua escolha recaia no melhor. Obrigado a todos.
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