sexta-feira, 16 de novembro de 2018

NOVA FÁBULA - Crônica de Francisco Miguel de Moura


   Francisco Miguel de Moura*

                                                        
             Há alguns anos, um dirigente que se julgava um Semideus, pois representante da mais poderosa nação da Terra – se fosse ontem poderíamos dizer que se tratava de Roma    não contente como a maioria dos reis de apenas dirigir seu povo, quis ser um sábio também. E, quem sabe, Deus. E anotou em seus papéis e mandou escrever nos livros que se deu como autor e nas home pages que mandava seus auxiliares editar na INTERNET, e conscientemente dizia que descobrira a sede da inteligência humana; a sede das sensações (tato) ; a sede do gosto; a sede da visão; a sede da audição; a sede do olfato. Faltava quem lhe descobrisse o órgão dos sentimentos, o órgão da intuição, o órgão da vontade,  pois ele, que já era escritor, agora queria tornar-se poeta.
      Convocou os sábios, cientistas, professores, mestres, políticos, jornalistas, empresários, e nenhum soube dizer-lhe. Teve que, finalmente, apelar para os poetas. Constatou, desalentado, que não havia nenhum no seu reino. É que os antigos haviam morrido de fome.  Já os novos, seduzidos pelo dinheiro, pelas ações da bolsa, por tudo que o mundo capitalista aprova, haviam desistido de poetar, ou mudado de país. O resultado foi que aquele dirigente poderoso teve de importar um poeta de uma de suas semi-colônias.  E a primeira pergunta que dirigiu ao bardo do país subdesenvolvido foi a seguinte:
            - Que devo fazer para ser poeta?
          - Sentir e ter coragem de expressar os sentimentos, em sua própria língua, se não tiver capacidade de fundar outra; deixar que a imaginação trabalhe em lugar do que é simplesmente racional e prático; afundar-se no que sente, como os músicos, em seus instrumentos – disse o poeta.
        - Mas eu não sei onde fica, no corpo humano, a sede dos sentimentos, meu coração é um vácuo.
          - É no seu corpo inteiro, sua alma é sua vontade. A inspiração não é piração, mas conjuga todos os sentidos, mais a fé, a esperança e o amor (caridade), acompanhados de uma insatisfação, uma angústia de se saber finito, tão finito quanto o menor dos seres da terra, quanto o menor grão de areia, e dentro dessa finitude procurar a própria salvação e a salvação da humanidade    eis que lhe responde o poeta Tecermundo.
          - Acha, então, que posso ser poeta?
          - Não, pelo menos agora. Precisaria renascer e para renascer é preciso renunciar.  “De que vale teres o mundo inteiro, se tua alma anda perdida?”
          Claro que o Semideus desistiu de ser poeta, mas compensatoriamente tornou-se amante de todas as empregadinhas de sua casa, da rua e do palácio. Amante sem amar, amante sem dizer, amante de “mentirinha” como é todo amor no seu reino entre moedas e mercadorias.  Quanto ao poetinha, dizem que desapareceu, perdendo a oportunidade de tornar-se célebre por um dia,  aparecendo na televisão e na INTERNET, por  ter transformado o Semi em Deus. Renunciou aos bens e à importância momentânea para ficar com a sua consciência de homem e poeta. Sem as luzes do poder, poetando independente de quem estivesse de cima na bolsa e nos oligopólios. Na posse de todos os seus sentimentos e tentando distribuí-los entre seus irmãos. Ninguém sabe é se conseguiu ficar vivo.  
         Se esta fábula se parece com alguma situação dos nossos dias é pura coincidência. Ela foi pensada e sentida para comemorar o “Dia da Poesia”, 14 de Março (dia do nascimento de Castro Alves, no interior da Bahia, em 1847), e assim homenagear os poetas e a musa  Érato – entidade consagrada pelos gregos – que presidia à poesia lírica e à anacreôntica, aquela mais apaixonada, quando o poeta recebe as luzes do céu e o fogo do inferno, e com isto é capaz de derreter a terra para realizar sua vontade, sua alma. Érato é filha de Júpiter e de Mnemósine (a memória), tendo por irmã outras seis musas que patrocinam as  artes. Portanto, uma grande família.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador brasileiro, nasceu em Francisco Santos (PI), aos 16 de junho de 1933 (quando ainda era povoado Jenipapeiro-Picos). Já publicou mais de 40 livros e anda em busca de um editor para publicar os que lhe faltam: cerca de 10 (dez) entre poemas, contos, crônicas, crítica literária e romance. E-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com
                                                                      


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