domingo, 15 de março de 2020

VER E VIVER


Francisco Miguel de Moura*
                     

Sou galho seco: a paisagem me devora,
Alonga-se em garranchos, espinhos, pauis
De catingas estéreis em terras arenosas.
Não vejo ondas nem dunas pela praia
Enquanto ouço o sal do marulho do mar.

Sou quase cego, mas vivo para o amor
E para sensações outras como o tato,
O cheiro, o sabor e as cores sem cor.

Se eu visse o mundo tal como seria,
Viveria feliz entre gentes e coisas.
Mas meu saber é simplesmente amar
Imagens do que falta e do que além vai.

Morre comigo a paisagem próxima,
Vive comigo quando se vai. E vem!...
Sou tão esquisito! Por vezes, me admiro,
Que me vi ontem no que nada vi,
No que morreu e creio que em mim vive.

- Vem para os meus braços, vem sentir
O calor de um coração que bate e bate...
Fraco, porém com a força da coragem
De morrer, morrer de amor somente.

Talvez que os poetas sintam, sofram mais,
Quando deixam o belo fugir e vão atrás.
_________________ 
 *Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, portador de prosopagnosia, pequena falha da memória que dificulta guardar os traços do rosto humano, no seu conjunto. Por isto o poeta presta mais atenção a tudo mais - fala, altura, roupa e demais gestos e traços.

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