segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

ANDERSON BRAGA HORTA - POETA NACIONAL


POESIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

ANDERSON BRAGA HORTA

I - POEMAS

O TEMPO DO HOMEM

Quando chegar o tempo do Homem
Te cantarei os seios róseos,
Viajarei, lírico astronauta,
Às constelações de teus olhos

Quando chegar o tempo do Homem

Nas minhas mãos vinte um satélites
Trarei, sorrindo, aos nossos filhos.
No vaso a rosa, inofensiva

Quando chegar o tempo do Homem

Mortos os sóis exorbitantes,
Alto, o Sonho achará sua órbita
E então nos amaremos lúcidos

Quando chegar o tempo do Homem

Não de escasso amor conjugado
Num futuro condicionado.
Amor atual, lauta romã

Quando chegar o tempo do Homem

Amor sem susto, amor unânime,
Amor sem resíduos de estrôncio,
Amor sem filamentos de ódio

Quando chegar o tempo do Homem

Possamos tê-lo antegravado
No branco olhar dos nossos filhos,
Se forem cinza os nossos olhos

Quando chegar o tempo do Homem

Como anuncia-se o relâmpago
Que cegos-surdos o pressentem,
Assim - súbito - o saberemos

Quando chegar o tempo do Homem

Pois, quando for o tempo, rútila
Rosa na mão do Povo aberta
Nos dirá: Llegó! È evnuto!
Chegado é o tempo!
Tempo do Homem.


AÉREO

O melhor de mim
está solto no vento.
Mãos, raízes, searas
e outras nuvens que invento.

Ai, o melhor de mim
no vento é que está.
Utopias, pandorgas
que menino avento.

Entretanto maduro
para todos os ares,
os semeio, e mais colho
aurassóis: cata-vento.

E, arando brisas, onde
me lamento, aí canto.
Pois o melhor de mim
frutifica no vento.


ÓRFICA

1.

Que ser é esse de que o céu se espanta?

O corpo esquartejado
levam-no os rios, bebem-no os mares,
vai com o vento nos ares.
Faz-se terra na terra.
Torna-se nada em todos os quadrantes.

Mas a cabeça canta.

2.

Que corpo é esse arcaico
animado de um fogo
entre o sagrado e o laico?
Corpo que se destroça,
fogo que se levanta.

3.

Ai, o corpo se esfaz em limo, em lama.
As pernas, extintas, erram por seiva.
As mãos, arrancadas, crispam-se por frutos.

Mas a cabeça
canta!


TELEX

Para Rumen Stoyanov

a poesia é a fonte em que ativamos a sede.
a poesia é o alimento que impede a saciedade.
a poesia é o espinho que nos protege da flor.
mas a poesia é flor, ou promessa de flor.
a poesia é a rosa que inventamos prévia.
a poesia é o nada nos-criador que modulamos.
a poesia não é a rede, nem o mar, mas o lançar da rede ao mar.
a poesia é o plágio do não visto.
atenção:
a poesia é uma explosão controlada.


TANGENTE

No Mar Encoberto
p l á c i d o
ideiaemoção (palavra) =
a c (s)
b’ r o
cego(s) na superfície. Nas
entrepalavras verde-
(rasgada agora crespa)
-lucila a água fluidíssima.
Sobrejacente a
nave navega, nada.



SONETO ANTIGO

Tanto, tanto de amor me eu tenho dado,
hei-me em tantas fogueiras consumido,
que fora de esperar no peito ardido
nada me houvera de ilusão sobrado.

Porém quanto mais sonhos hei nutrido
deste manancial inesgotado,
mais o tenho, no peito, avolumado:
que mais forte é amor, se dividido.

E se o destino tenho marinheiro,
volúvel me não chamem, ou perjuro:
que do amor sou apenas passageiro,

em porto inda o mais doce, não aturo,
e no mesmo travor do derradeiro
já prelibando estou o amor futuro.


OLHOS


De repente descubro
a lavada beleza de teus olhos.
(Entre mim e o sono
trazes um sol nos lábios
e nos seios Vênus.)
Teus olhos são como céus que choveram.



II - BIOGRAFIA

Escritor versátil, produtivo e presente

ANDERSON BRAGA HORTA nasceu em Carangola, MG, em 1934. Reside em Brasília desde 1960. Poeta, contista, ensaísta e tradutor. Seus livros, em poesia: Altiplano e Outros Poemas, Marvário, Incomunicação, Exercícios de Homem, Cronoscópio, O Cordeiro e a Nuvem, O Pássaro no Aquário (saídos entre 1971 e 1990) e outros até então inéditos foram enfeixados em Fragmentos da Paixão – Poemas Reunidos, S. Paulo, 2000 e ganhador do Prêmio Jabuti 2001. Além disso, publicou Pulso, S. Paulo, 2000, Quarteto Arcaico, Jaboatão, 2000, Antologia Pessoal, Brasília, 2001, 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, Rio, 2003, e Soneto Antigo , Brasília, 2009.
Em prosa: A Aventura Espiritual de Álvares de Azevedo: Estudo e Antologia (2002), Sob o Signo da Poesia: Literatura em Brasília (2003), Testemunho & Participação: Ensaio e Crítica Literária (2005), Criadores de Mantras: Ensaios e Conferências (2007) e, em ficção, os contos de Pulso Instantâneo (2008).
Traduziu e publicou Traduzir Poesia (Thesaurus, 2004). Em parceria, traduziu ainda, entre outros: Poetas do Século de Ouro Espanhol / Poetas del Siglo de Oro Español, com Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera; Estudo Introdutório de Manuel Morillo Caballero (Thesaurus / Consejería de Educación y Ciencia de la Embajada de España, 2000); Poetas Portugueses y Brasileños de los Simbolistas a los Modernistas, org. de José Augusto Seabra (Instituto Camões / Embaixada de Portugal em Buenos Aires / Thesaurus, 2002; versão para o espanhol, com Rodolfo Alonso, José Jeronymo Rivera, José Antonio Pérez, Kori Bolivia, Manuel Graña Etcheverry, Rumen Stoyanov e Ángel Crespo; notas sobre os poetas brasileiros por José Santiago Naud); Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia, com Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera (Thesaurus, 2002); O Sátiro e Outros Poemas de Victor Hugo, também com FMV e JJR (Galo Branco, Rio, 2002); Antologia Pessoal de Rodolfo Alonso, com José Augusto Seabra e José Jeronymo Rivera (Thesaurus, 2003); Contos de Tenetz, Antologia de Yordan Raditchkov, com Rumen Stoyanov (Thesaurus / FAC, 2004); História dos Ideais, de Eduardo Mora-Anda (Thesaurus, 2006); Antologia Poética Ibero-Americana, com Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera, org. de Pavel Égüez (Cuiabá, 2006).

III - DEPOIMENTE PESSOAL

Nasci na cidade mineira de Carangola, em 17 de novembro de 1934. Meu pai, o advogado Anderson de Araújo Horta, e minha mãe, Maria Braga Horta, eram professores e poetas. Assim, criado num ambiente de respeito à cultura e amor aos livros, posso dizer que recebi em casa mesmo os primeiros estímulos literários.
A família morou, sucessivamente, em Carangola, Manhumirim, Belo Horizonte, novamente em Manhumirim, depois em Resplendor, Mutum, outra vez em Carangola. Já então acrescida dos manos Arlyson, Augusto Flávio e Maria da Glória. Em 1942 fomos para Goiás, passando três anos na antiga e dois na nova capital do Estado. Em Goiás Velho nasceu o caçula, Goiano.
De volta a Minas, novo périplo em redor de Manhumirim, onde residiam meus avós maternos: Aimorés, Mantena, Lajinha, cidades que eu visitava nas férias, pois, tendo começado o ginásio em Goiânia, fiz, nesse período (de 1947 a 1953, para ser exato), as três últimas séries em Manhumirim e o clássico em Leopoldina. Já me encontrava no Rio de Janeiro, cursando Direito, quando para lá se mudou a família, em 1956.
Transferi-me para Brasília em julho de 1960, como redator da Câmara dos Deputados, a cujo serviço fora admitido em 1957 como datilógrafo. Os irmãos foram também atraídos pelo Planalto Central, a que finalmente aportaram os pais, em 15 de novembro de 1964.
Exerci ainda o jornalismo e o magistério, tanto no Rio quanto em Brasília. Meu primeiro trabalho, contudo, foi como securitário, na Velha Capital, a não ser pelos meses em que lecionei no Seminário de Leopoldina, cidade em que prestei, após o curso clássico, o serviço militar (tiro-de-guerra).
Já radicado em Brasília, casei-me no Rio, em 1962, com a capixaba (de Cachoeiro de Itapemirim) Célia Santos. No ano seguinte nasceram os gêmeos, brasilienses, Anderson e Marília.
Meus pais aqui faleceram, mamãe em 1980, papai cinco anos depois.
As primeiras impressões literárias que retenho datam da cidade de Goiás: uma página de Humberto de Campos em que o autor, na primeira pessoa, confessava um furto de menino —o que me deixou consternado—; e o “Pequenino Morto”, de Vicente de Carvalho, cujos melodiosos hendecassílabos encheram minha alma infantil de tristeza. Em Goiânia me tornei leitor voraz de histórias em quadrinhos e de todos os livros que havia em casa — Gato Preto em Campo de Neve e Clarissa, Ecce Homo e Assim Falava Zaratustra, Meu Destino É Pecar (isso mesmo, o livro proibido de Nélson Rodrigues) e o mais em que pude pôr a mão e os olhos. A impossibilidade de compreender tudo não era obstáculo ao entusiasmo do jovem devorador de letras.
Por essa época, apesar da força atrativa dos quadrinhos, que me guiou a mão numa série de rabiscos, até mesmo numa historieta de texto e desenhos típicos, o autor mais amado foi, sem dúvida, Monteiro Lobato, por sua obra infanto-juvenil, que reputo ainda hoje incomparável.
Mas quem me levou a escrever poesia, conforme tenho repetido em páginas de depoimento literário, foi mesmo Castro Alves. As primeiras tentativas, frustradas, resultantes em prosa ritmada, datam de Manhumirim, ao tempo em que freqüentava o Colégio Pio XI. As primeiras realizações, de Leopoldina, em 1950.
A outra grande influência de então foi Bilac. E, depois, tantos poetas que nem convém enumerar! Dos clássicos aos românticos, dos parnasianos aos simbolistas, desses aos modernos, que me ensinaram a quebrar o verso, sem descartar a tradição.
Penso que o poeta não pode deixar de se assenhorear das técnicas do verso, embora a técnica, obviamente, não seja tudo. Que ao escritor compete extrair do potencial de sua língua toda a cintilação que possa, dignificando-a sempre. Que escrever é atividade intelectual, sim, mas não se esgota no âmbito do intelecto; que o poeta há de comover-se e comover, sim, mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia. Que a esse amálgama de pensamento, emoção, sentimento que é o poema não se deve tolher o voltar-se para a sorte do homem no espaço e no tempo, seja do ponto de vista filosófico, seja do social; pois à poesia, arte da palavra, interessa necessariamente tudo o que de humano se possa representar nela. E que, portanto, a arte do poeta há de ser mais complexa, mais completa, mais abrangente e mais profunda do que tendem a fazê-la os jogos —algumas vezes brilhantes— a que pretendem reduzi-la correntes revolucionárias.
Isso posto, confessadas, via de conseqüência, as minhas próprias limitações, passo, com a possível humildade, ao balanço de quatro décadas de produção poética —omitida, quase totalmente, a inicial —, balanço em que, de algum modo, se traduz a seleção de poemas que ofereço ao leitor.

Brasília, 31 de maio de 1999.
web: plataforma.para a poesia.nom.br
jornal de poesia
antônio miranda




_________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta, residente em Teresina, Piauí, coligiu os presentes dados em vários sítios e blogues da web, entre os quais web: plataforma.para a poesia.nom.br
jornal de poesia
antônio miranda
acresentando mais alguns outros elementos, com o único propósito de divulgar a poesia daquele que considera, hoje, um dos três ou quatro melhores poetas vivos do Brasil.

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